A relação entre religião e ciência ganhou mais um capítulo importantíssimo: nesta quarta-feira (25), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que Testemunhas de Jeová podem, por convicção religiosa, recusar a transfusão de sangue em tratamentos médicos.
A decisão atestou ainda que o Poder Público deve oferecer outras alternativas para estes pacientes. No entanto, há duas condições necessárias: o procedimento em questão deve existir no Sistema Único de Saúde (SUS), e esta opção não deve gerar “custos desproporcionais” ao Estado.
Além disso, a recusa da transfusão de sangue é válida para pacientes maiores de idade, capazes e com condições de discernimento. A decisão deve ser expressa de forma livre, voluntária, atual, autônoma e sem coação. É dever do médico informar ao paciente sobre os riscos do tratamento.
Por outro lado, é importante observar que a decisão é pessoal. Ou seja: não pode ser feita para terceiros, como no caso de pacientes inconscientes. A possibilidade da recusa também não se estende ao caso de menores, ainda que entre pais e filhos.
A recusa à transfusão de sangue foi aprovada por unanimidade no STF. Além dos relatores Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux acompanharam a decisão. Afastado por motivos de saúde, Dias Toffoli não votou.
A votação no STF
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) analisaram dois casos: uma paciente de Alagoas que acionou a Justiça contra o Poder Público para obter a cirurgia de substituição de válvula aórtica (cirurgia cardíaca) sem a transfusão de sangue foi a primeira.
Nas duas primeiras instâncias, o pedido foi negado. Para a Justiça, não havia garantia de que o procedimento iria ocorrer sem riscos para a paciente. Em outro caso, um paciente do Amazonas buscou o direito de realizar uma cirurgia ortopédica em hospital público sem transfusão de sangue.
Segundo os representantes dos pacientes, o tratamento sem sangue tem aval da Organização Mundial de Saúde (OMS). Somado a isso, o Sistema Único de Saúde possui os equipamentos necessários para atender pacientes que recusam o uso de sangue. A decisão favoreceu os pacientes em ambos os casos.
“Existe direito das pessoas que professam a religião Testemunhas de Jeová de recusa à transfusão de sangue em qualquer procedimento médico”, afirmou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Para o ministro Alexandre de Moraes, obrigar a transfusão de sangue seria uma “imposição estatal”.
E os outros casos?
Os dois casos julgados pelo STF têm repercussão geral. Isso significa que a decisão do do plenário será aplicada a processos semelhantes que tramitam em instâncias inferiores. 1.461 processos semelhantes aguardam uma solução, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Destes, outros dois, também envolvendo Testemunhas de Jeová, chegaram ao STF. Porém, ambos foram devolvidos aos tribunais de origem. O mesmo entendimento deve ser aplicado para estes. A versão final da tese de Gilmar Mendes, que serve como diretiva para os demais casos, ficou assim:
“Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa”.
Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde – SUS, podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.”