Além de lidar com todo o medo e as incertezas que o novo coronavírus trouxe para o cotidiano, milhares de mulheres ainda precisam lidar com outro grande problema durante a pandemia, que é a violência. Por isso, a quarentena tem sido um momento difícil para muitas delas que vivem um namoro ou casamento conturbado.
Não que os relacionamentos abusivos tenham surgido durante a maior crise sanitária mundial. Contudo, por conta de todo esse período em casa – cenário no qual muitos casais estão confinados, por vezes isolados de amigos e familiares –, eles se tornaram mais frequentes.
A advogada e influenciadora Lívia Sampaio ressalta que o aumento da convivência diária acabou evidenciado um aumento nos casos de relacionamento abusivo e diversos tipos de violência contra a mulher.
“A rotina diária de milhões de pessoas sofreu grandes mudanças com a chegada da pandemia. Alguns casais passavam pouco tempo juntos; por isso, as brigas que aconteciam eram consideradas normais. Para aquelas que já viviam um relacionamento abusivo, houve um agravamento e a violência praticada passou a ser muito mais frequente”, explica ela à AnaMaria Digital.
“As mulheres que estão em casa com seus abusadores na pandemia se sentem encurraladas, pois não têm mais o momento de levar o filho para a escola ou a distância de quando o companheiro sai para trabalhar, já que o home office continua super comum”, aponta.
O que é um relacionamento abusivo?
Em um relacionamento abusivo, existe pelo menos um tipo de violência, entre elas a verbal, moral, psicológica, física, sexual e patrimonial. Para analisar se o relacionamento é abusivo ou não, deve-se levar em consideração fatores como o sofrimento causado na vítima, a frequência dos abusos, os ciclos de agressão e até mesmo a proporção que a violência toma com o passar do tempo.
“Uma parcela das vítimas não consegue enxergar que está vivendo esse tipo de relação com seu companheiro justamente porque alguns casos não envolvem violência física, que é mais facilmente identificada por ela e pelas pessoas à sua volta. Mas isso não faz do relacionamento abusivo menos grave ou perigoso”, afirma a especialista.
“Mesmo de forma sutil e mexendo apenas com o psicológico da vítima, o abusador é capaz de deixar marcas permanentes na saúde mental da mulher. Ao controlar a vítima, o agressor manipula a percepção que ela tem sobre si, distorcendo seu senso de realidade, além de criar esperança nela de que o parceiro mude e os abusos acabem”, completa.
Nem sempre as vítimas são mulheres, mas Lívia destaca que, na maioria dos casos, o abusador é um homem e a vítima é uma mulher. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada três mulheres já sofreu violência sexual ou física, praticada na maior parte das vezes por seus parceiros.
Quais são os sinais de um relacionamento abusivo?
Uma das principais marcas de um relacionamento abusivo, segundo a advogada, é a posição de desigualdade entre as duas pessoas envolvidas.
“O abusador, aos poucos, vai retirando o poder de escolha da mulher e afastando de pessoas que teriam condições de alertá-la, seja comprando uma casa afastada da cidade de forma proposital ou falando que as amigas não prestam. As situações vão se escalando e na última etapa, em alguns casos, é o feminicídio, ou seja, quando essa mulher é morta”, diz.
Outro sinal que pode indicar um relacionamento abusivo é a imposição, evidente ou não, de mudanças no comportamento da mulher.
“Não é o caso de meras críticas construtivas, porque isso é válido e saudável dentro da relação. O problema é quando essas ‘sugestões’ ganham contornos moralistas, impedindo a vítima de frequentar tais lugares, de mudar o corte de cabelo e de vestir a roupa que bem entende. São mudanças que anulam e diminuem a identidade da mulher”, comenta.
“À primeira vista, pode parecer até mesmo um gesto de proteção ou manifestação de afeto. Para quem está no olho do furacão, é difícil distinguir uma coisa da outra. Com o tempo, a situação vai piorando ao ponto da mulher esquecer quem realmente é, por aceitar todas as vontades do parceiro.”, completa.
Em um relacionamento abusivo, o agressor ainda pode fazer pouco caso das conquistas da vítima, gritar ou descontar a raiva em objetos, controlar sua vida financeira, dizer que a mulher está louca quando o contraria, forçar relações sexuais e deixar a vítima com medo e constantemente infeliz, entre outras atitudes.
Como sair de um relacionamento abusivo?
Não é fácil se desprender de um relacionamento abusivo, garante Lívia. Por isso, em alguns casos, há a intervenção de uma pessoa de fora da relação, como uma amiga ou vizinha que nota os sinais típicos de agressão.
Mas ela destaca que o apoio especializado é fundamental. A busca por um psicólogo auxilia, inclusive, que a vítima identifique o problema, supere possíveis traumas e possa reconstruir sua vida.
“Também é essencial que os parentes e amigos não julguem a vítima de maneira alguma, seja pelas agressões, seja por uma eventual procura tardia por ajuda. Para apoiar uma mulher que passa por isso, em primeiro lugar deve-se acolhê-la, criar um espaço seguro para ela. Em segundo lugar mostrar que ela está sofrendo constante agressão e é vítima, não culpada”, pontua.
Quais leis e ações protegem as mulheres nesse momento sensível?
Segundo a advogada, também é importante buscar apoio no governo e na esfera jurídica. Ela indica as principais maneiras de denunciar esses casos formalmente.
“Temos o serviço do Disque Denúncia (180), que é gratuito, funciona em todo o Brasil e preserva o anonimato. Temos também as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. Nestes locais, a vítima poderá fazer um boletim de ocorrência contra o agressor e receber orientações”, ressalta. “Para situações de emergência, a orientação é ligar para a polícia (190).”, indica.
Para levar o caso à Justiça, existem leis que foram criadas para proteger as mulheres vítimas de violência. A Lei Maria da Penha, por exemplo, criada em 2006, é uma conquista para as mulheres brasileiras e narra cinco espécies de violência doméstica: a física, patrimonial, sexual, moral e psicológica, que também podem estar presentes em um relacionamento abusivo.
“Com as redes sociais, a pauta tem ganhado mais notoriedade, fazendo com que as mulheres compreendam que estão em um relacionamento abusivo, mesmo que nunca tenham desconfiado anteriormente. Que cada vez mais mulheres tomem coragem de expor o que acontece com elas e inspirem outras a terem força e buscarem ajuda”, conclui.