Todo mundo tem alguém que foi embora e que, apesar de ter ido, nunca se transformou em ausência. Alguém que, mesmo não estando, dorme e acorda com a gente todos os dias. Toma um lado da cama, a cadeira no posto de trabalho ou viaja junto nas férias. Está na música que se ouve e protagoniza todos os filmes assistidos. Com quem se conversa o tempo todo, ciente de que a resposta não virá. Alguém que foi e não deixou só a saudade.
Quando alguém assim retira-se, descobrimos o tamanho do espaço que o vazio pode ocupar. Um espaço tão grande que sobra pouco para acomodar qualquer coisa, principalmente as novas. Porque vazio é solo seco onde nada prospera e não conseguimos plantar nem a esperança. O vazio de quem não está é tão robusto que é quase uma presença, mas uma presença triste e calada, que deixa sorrisos escassos e olhos apagados.
Todo mundo tem alguém que deixou sonhos ou a pasta de dentes pela metade. Uma roupa pendurada no armário, um perfume dentro da gaveta ou um livro com a página marcada. Alguém que jurou que nunca iria a parte alguma e que partiu o juramento – e seu coração. Alguém que nem sempre avisa que a viagem é sem volta e, por isso, faz mantermos a porta aberta, aguardando o retorno. Até que decidimos fechá-la e nos surpreendemos com o quanto a vida escurece.
PEDACINHOS DA EXISTÊNCIA
Essa gente que vai embora deixa para trás datas comemorativas, documentos e fotos. E, em algum momento, nos deparamos com esses pequenos fragmentos: é bem dolorido constatar que só sobraram pedacinhos tímidos de uma existência que não compartilhamos mais. Mesmo passado muito tempo, você ainda lembrará das preferências e implicâncias e terá uma vontade meio incontrolável de colocar aquele nome na conversa, assim como quem não quer nada, só para materializar, por uns instantes, o alguém invisível.
Nem todos estamos preparados para tolerar despedidas. Mas esse inconformismo será pessoal e intransferível, uma vez que poucos terão paciência para lidar com seu luto de pessoas vivas. Logo mudarão de assunto, empurrando sua dor para o hall do “tudo passa”. Cientes disso, quando nos perguntam se está tudo bem, mentimos que sim, tentando imaginar se o interlocutor saberia a diferença entre o tudo e o nada.
O nada que sobra de herança, depois que alguém vai embora, é um fardo tão pesado de carregar, que faz a gente se arrastar pela vida – aquela que afirmam que continua. E continua, é fato: mas um pouco capenga porque, quando esse alguém vai embora, leva junto nossa bússola e ficamos – mesmo que temporariamente – sem saber direito que rumo tomar.
WAL REIS é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: walreisemoutraspalavras.com.br