Acontece meio devagar e não nos damos conta logo de cara: deixamos de fazer um curso que nos interessava e ia ajudar no trabalho, largamos a faculdade pela metade ou nos abstemos de ir morar em outra cidade em nome de ficar mais perto e por mais tempo de quem roubou nosso coração. No começo, parece o mais lógico a fazer. Afinal, que graça teria viajar – mesmo que o programa tenha sido planejado há tempos e o destino seja um sonho antigo – se a pessoa escolhida não estará junto?
Mas aí o relacionamento segue e seguimos mais apaixonados, fazendo de tudo para não magoar a outra parte, com receio que qualquer atitude fora do contexto estrague aquele mar de rosas. E não notamos que o mar de rosas só existe porque somos nós que entramos com as rosas.
Não percebemos, uma vez que o foco não está mais em nós. E assistimos filmes de ação quando a preferência são as comédias bobinhas. Vamos fazer crossfit com os joelhos em frangalhos porque seu par acha legal isso de treinar em casal, deixando de lado nossa predileção por dançar balé.
Descobre-se, na prática, que o companheiro morre de ciúmes dos amigos e aí, para evitar que o mar de rosas fique revolto, nos convencemos de que os amigos não fazem assim tanta falta, que dá para sobreviver sem o café com o pessoal do escritório, sem a visita à casa dos parentes e sem os programinhas de meninas.
NA GARUPA
Enquanto isso, seu parceiro faz planos mirabolantes para uma aventura de moto pela América do Sul. E passam tardes inteiras escolhendo roteiros, analisando mapas e pesquisando equipamentos. Até que você se toca que aquilo não lhe empolga como deveria: é porque está, literalmente, na garupa dessa empreitada.
A ânsia de se manter na vida do outro – e o medo de ser descartado – faz com que a gente se esforce para caber em projetos que passam longe de serem nossos e se apequene: o esforço implica em deixar os próprios objetivos pelo caminho e sair, desajeitadamente, tentando vestir sonhos que não nos cabem. Vamos perdendo a identidade e passamos a viver à sombra. Tão à sombra que ficamos invisíveis justamente para quem gostaríamos de brilhar.
Ao deixarmos de nos enxergar, apagamos para o mundo e quem não se incomoda com este apagão ou pior: quem se alimenta dele, não deveria merecer tanto sentimento. Porque essa linda excursão chamada vida a dois só faz sentido se pudermos levar na bagagem tudo o que nos faz ser quem somos: ideais, defeitos e qualidades. No entanto, quando essas malas extraviam, chegar ao destino e estar desnudado, sem nada de verdadeiramente seu para usar, fará a viagem se revelar uma grande roubada.
*WAL REIS é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br