A Hanseníase entrou na vida de Célia de Fátima Coelho, 45, em 2013. Na época, ela começou a trabalhar em uma granja de porcos e notou a presença de algumas manchas vermelhas pelo corpo, além de uma grande mancha branca em seu cotovelo. Em ambos os casos, não havia mais sensibilidade naqueles trechos de pele.
Inicialmente, e durante bastante tempo, os sintomas foram tratados como alergia pelos médicos. “Mas uma delas decidiu fazer alguns exames e me avisou que era hanseníase. Daí eu perguntei: o que é isso? E ela respondeu que não tinha muito tempo a doença era conhecida como Lepra, mas que hoje a gente fala mais bonitinho, né?”, conta.
Causada por uma bactéria chamada de Mycobacterium leprae, a Hanseníase foi descoberta em 1873 pelo médico norueguês Gerhard Hansen. Trata-se de um micro-organismo que se instala nos nervos periféricos do corpo, bem próximo à pele, e pode ficar ali durante anos, sem dar sintomas. Contudo, em algum momento sua presença vai diminuir a sensibilidade local e causar sérias lesões.
Apesar da hanseníase ser um problema tão antigo a ponto de ter registros na Bíblia, você sabia que o Brasil ainda é o segundo país do mundo que mais registra casos da doença?
VICE-CAMPEÕES
Neste nada glorioso ranking mundial, ficamos atrás apenas da Índia. Dados do Boletim Epidemiológico Mundial, publicado em agosto de 2018 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apontam que do total de 210.671 casos novos de hanseníase informados, o Brasil teve 26.875 (12,7%) e a Índia 126.164 (59,9%). A pesquisa reuniu informações de 150 países e territórios.
Ainda em relação ao território brasileiro, foram descobertos 28.657 casos durante 2018 inteiro, segundo o Ministério da Saúde. Dois anos antes,registrou-se 25.214 casos. Ou seja: ocorreu um crescimento de 14% no número de notificações, após mais de uma década de números em queda.
DESCONHECIMENTO
Um dos principais problemas na hora de combater a doença é a falta de informação. E muitas vezes são os próprios médicos e profissionais da saúde que têm dificuldades em reconhecer os sintomas e diagnosticar a doença.
“É muito frequente recebermos pacientes com manchas na pele vistos como alergia e dores articulares tratados como artrite. Aí vamos investigar e nos deparamos com a hanseníase”, ressalta Wladimir Fiori Bonilha Delanina, diretor da divisão de dermatologia do Instituto Lauro de Souza Lima, em Bauru (SP).
O local é centro de referência para a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e para o Ministério da Saúde, além de ser credenciado também como centro colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS). Jaison Antonio Barreto, dermatologista e hansenologista da mesma instituição, lembra que quando se formou, há 25 anos, sequer sabia que ainda existia hanseníase no Brasil.
“Ou seja: não é ensinado na faculdade, o indivíduo não aprende a pensar no diagnóstico e, quando se depara com um caso, tem medo do que não conhece. E esse preconceito é repassado ao paciente, que também esconde a doença dos seus familiares com medo de ser diagnosticado”, ressalta.
SEM PÂNICO
Apesar de ser transmitida pelo ar, os especialistas ressaltam que a pessoa saudável precisa ter um contato prolongado com o doente para haver alguma possibilidade de contágio da doença. Isso significa morar sob o mesmo teto, por exemplo. Desta forma, ninguém que cumprimenta ou apenas toca o doente tem chances de ser contaminado.
A boa notícia é que a Hanseníase tem tratamento. E o paciente deixa de ser transmissor já no primeiro dia tomando a medicação. “Ele não precisa ser isolado, e nem existe a necessidade de separar seus utensílios pessoais”, ressalta Barreto.
No entanto, por conta da questão da transmissibilidade, todos os familiares que vivem na mesma casa que o doente precisam ser examinados. “Em muitos casos em que a doença retorna, na verdade foram pacientes que continuaram a conviver com pessoas doentes, porque não foi feita a busca ativa naquele ambiente, e eles se recontaminaram”, explica.
SEQUELAS DA FALTA DE DIAGNÓSTICO
E quanto maior o tempo até um diagnóstico correto, maiores são as chances de o paciente ficar com sequelas. Célia, por exemplo, fez o tratamento de forma correta e chegou a ficar boa, mas em 2015 começaram a sair feridas dolorosas em sua face. “Eu tinha que andar com um pano no rosto, porque eram feias e queimavam ‘como se fosse gordura quente’”, ressalta.
Na época, sua neta havia acabado de nascer. “Ainda perguntei para o médico se não pegava nela, porque era bebê, né? Mas ele explicou que não, porque eu tinha feito o tratamento e não tinha mais a doença. O que estava acontecendo eram as sequelas, que ficariam”, diz.
PESSOAS COM A DOENÇA ERAM ISOLADAS DO MUNDO
O documentário “Hanseníase: Ontem e Hoje”, produzido pela Editora Caras com o apoio do Facebook Journalism Project e do ICFJ – Internacional Center for Journalists, estreia em 22 de novembro para contar a história da doença, tão antiga quanto a Bíblia e que, apesar do tratamento, continua acometendo pessoas no Brasil.
Confira!
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