Você encontra um novo hobby e se pega horas a fio pesquisando tudo sobre determinado assunto. De repente, ganha o título simbólico de especialista em cerâmica chinesa, naufrágio de navios antigos, Império Egípcio ou qualquer outro tema, provavelmente bastante aleatório. Quando o “santo bate”, é fácil perder a noção do tempo em meio à nova paixão.
Uma palavra queridinha da internet tem sido usada para dar nome a essa dedicação extrema: hiperfoco. Mas, embora a ideia pareça familiar para muita gente, ela tem um significado muito mais profundo no Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O caso do Pedro: quando o hiperfoco vai além da curiosidade
Pedro é um menino autista que viralizou na web após sua mãe, Jaqueline Lima, publicar vídeos mostrando a rotina da família. O curioso hiperfoco dele é a imagem da estátua da Columbia Pictures, que aparece no início dos filmes da produtora. Nos vídeos, ele se veste e age como a Dama da Tocha, reproduzindo cada detalhe com atenção impressionante.
“No TEA, o hiperfoco é uma forma de organização cognitiva. Ele representa uma concentração intensa e prolongada em determinados assuntos que despertam grande interesse”, explica Fábio Coelho, psicólogo especialista em TEA e sócio-diretor da Academia do Autismo e da Clínica Mosaico, em entrevista à AnaMaria.
No autismo, o hiperfoco é sinal importante
O TEA é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, o comportamento e a interação social. Um dos sinais comuns entre pessoas no espectro é justamente o hiperfoco. Para os neurotípicos (quem não está no espectro), o interesse por um tema costuma ser passageiro. Já no autismo, ele tende a ser duradouro e estruturante.
Ou seja: não é apenas gostar de um tema. É mergulhar nele por completo. Alguns autistas sabem tudo sobre dinossauros, placas tectônicas, bandeiras ou sistemas de metrô. Outros criam rotinas detalhadas ao redor daquele interesse.
O especialista reforça que o hiperfoco também pode ser usado como ponte para o aprendizado. “Pais, educadores e terapeutas podem usar essa característica como uma aliada, ajudando a conectar os interesses da pessoa com outras áreas de aprendizado e promovendo um desenvolvimento mais harmonioso e positivo.”, pontua.
Diagnóstico do autismo: como é feito?
De acordo com o Censo Escolar 2024, do Ministério da Educação, o número de alunos com TEA em instituições regulares cresceu de 41.194, em 2015, para 884.403 em 2024, um aumento de mais de 2.000%. Esse crescimento está relacionado a avanços na triagem precoce, maior conscientização da sociedade, qualificação profissional e novas tecnologias de avaliação.
“Hoje, muitas crianças são encaminhadas para avaliação clínica antes mesmo do ensino fundamental. Há uma sensibilidade crescente aos marcos do desenvolvimento, como ausência de resposta ao nome, atraso na fala ou comportamentos repetitivos”, diz Silvia Kelly Bosi, neuropsicopedagoga e fundadora da Potência – Clínica de Desenvolvimento Infantil.
O diagnóstico do TEA é clínico, feito por uma equipe multidisciplinar. Algumas ferramentas ajudam nesse processo:
- M-CHAT: questionário aplicado aos pais de crianças entre 16 e 30 meses.
- SRS-2: mensura sintomas do espectro em diferentes faixas etárias.
- PROTEA-R: analisa sete domínios-chave, entre eles interação social, comunicação, reatividade sensorial e interesses restritos.
- ATA: panorama das competências sociais e comunicativas.
Essas ferramentas são usadas por especialistas como psicólogos, psiquiatras e neurologistas. Silvia explica que cada caso é avaliado individualmente. “Nenhum instrumento define o diagnóstico isoladamente. O que fazemos é construir um raciocínio técnico e ético, que respeita a singularidade de cada criança e ofereça um plano de intervenção alinhado às suas necessidades”, diz.
Mais do que um hobby: um jeito de existir
Se o hiperfoco virou meme, é bom lembrar que, para muitos, ele é parte da identidade. Não é exagero nem “frescura”, mas uma forma singular de estar no mundo.
Ao acolher as diferenças e respeitar os interesses, mesmo que pareçam inusitados, criamos ambientes mais inclusivos. E, convenhamos, todo mundo tem uma paixão que faz o olho brilhar. Então, que tal trocar o julgamento pela curiosidade e ver beleza nas formas únicas de existir?
Resumo: O termo “hiperfoco” ganhou força nas redes sociais, mas no Transtorno do Espectro Autista (TEA), ele representa muito mais do que um interesse passageiro. O texto explica como o hiperfoco pode ser um sinal estruturante no autismo, trazendo o exemplo de Pedro, menino autista que viralizou com seu fascínio pela Columbia Pictures. Especialistas mostram como essa característica pode ser usada de forma positiva no aprendizado e na inclusão.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (13 de junho). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.
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