“A endometriose entrou de uma forma devastadora na minha vida”. É desta forma que Gisely Alves, moradora de Taboão da Serra (SP), descreve seus sentimentos em relação a esta doença.
A administradora de empresas, de 37 anos, passou por um longo período de sofrimento e dúvidas acerca do problema, completamente desconhecido para ela durante muito tempo.
Justamente para expandir as informações sobre a doença, foi criada a campanha ‘Março Amarelo’, que marca o mês de conscientização mundial da Endometriose, e acaba nesta terça-feira (31).
E os dados preocupantes não deixam dúvidas sobre a importância de se alertar sobre o assunto: segundo o Ministério da Saúde, mais de 7 milhões de mulheres sofrem com a doença no Brasil, ou seja: 1 a cada 10.
MAS O QUE É?
De acordo o médico Pedro Peregrino, que é especialista em Reprodução Humana, esta é uma doença inflamatória crônica. O problema acontece quando o endométrio, mucosa que reveste a parede interna do útero, acaba crescendo em outras regiões do corpo. “Nisso, vários órgãos/locais podem ser acometidos, como os ovários, intestino, bexiga e ligamentos vaginais”, afirma.
O crescimento do tecido do endométrio faz parte do ciclo reprodutivo da mulher. “Quando não ocorre gravidez, isso acaba sendo eliminado na forma da menstruação“, explica o ginecologista e obstetra Geraldo Caldeira, do Hospital e Maternidade Santa Joana.
Entretanto, em algumas mulheres, as células desse tecido chegam à cavidade abdominal, multiplicando-se e provocando a endometriose.
O QUE CAUSA A DOENÇA?
Apesar das causas ainda não serem totalmente esclarecidas pela medicina, podem envolver alguns fatores, como estresse, ansiedade, questões genéticas, alterações imunológicas, endometriais e até ambientais.
Para Peregrino, dentre as diversas hipóteses, uma teoria ganha destaque: “A da ‘Menstruação Retrógrada’ é uma das mais aceitas, que acontece quando o sangue menstrual, em vez de seguir pelo colo do útero e sair pela vagina, segue em direção às trompas e atinge a cavidade pélvica”, explica.
Por conta disso, vale lembrar que a endometriose é mais comum na fase reprodutiva da mulher, quando ela está mais exposta a altas taxas de estrogênio. “Na menopausa, geralmente os focos de endometriose ficam estagnados e os sintomas estacionam e até melhoram, devido a queda das taxas do estrogênio”, diz o especialista em reprodução humana.
SINTOMAS
Gisely demorou anos até descobrir que era portadora da endometriose, apesar de já ter os sintomas desde o ínicio de seu ciclo mentrual, aos 11 anos de idade. “Sempre tive um fluxo muito forte, sangrava muito, tinha cólicas terríveis, que por hora eu achava que era normal, mas que muitas vezes me levavam ao hospital por conta da dor, que era muito intensa”, relata.
De fato, a cólica menstrual intensa, como descreveu a administradora, está entre os principais sintomas da doença. “A dor pélvica crônica, a dor durante o ato sexual, a cólica menstrual, sintomas intestinais cíclicos durante a menstruação, como a dor ao evacuar e sangramento, e sintomas urinários cíclicos durante o fluxo menstrual, como ardência e sangramento, também fazem parte dos sintomas”, diz Peregrino.
As cólicas intensas estão entre os sintomas da endometriose FOTO: Getty Imagens
DESCOBERTA
Por não ter um diagnóstico precoce, a administradora, que é mãe de dois filhos, sofreu por muito tempo com a doença. Quando teve a primogênita, Giovanna, aos 22 anos de idade, ela nem imaginava que era portadora da endometriose. Porém, após o parto, as dores não cessaram.
Gisely conta que chegou a passar em diversos médicos, mas nenhum conseguiu diagnosticar a doença. Até que, em 2010, ela passou em um profissional que suspeitou que seu problema poderia ser endometriose e, para que o assunto fosse melhor investigado, a encaminhou para um especialista.
“Quando engravidei do meu segundo filho, Gabriel, em 2012, contei para o doutor dos sintomas e falei do meu histórico, que sentia fortes dores no abdômen, isso com quatro meses de gestação”, conta.
Após apresentar os exames complementares, a doença foi confirmada. “Confesso que me assustei, pois tive algumas complicações na gestação por conta disso. Precisei até tomar um remédio para segurar o meu bebê, porque corria o risco de ter um aborto espontâneo”, diz.
Para diagnosticar a doença, alguns exames são necessários, como destaca Caldeira:
“Uma ressonância magnética pélvica ou um ultrassom pélvico transvaginal com preparo intestinal, além do CA125, que é um exame de sangue coletado no período menstrual e que, se no resultado apresentar um valor elevado, sugere endometriose”.
EFEITOS DEVASTADORES
A endometriose pode abalar diretamente a qualidade de vida da mulher, tanto do ponto de vista pessoal quanto do profissional. No caso de Gisely, o sofrimento em decorrência da doença, além de atingir sua família, também prejudicou muito sua vida profissional.
“Muitas vezes meu marido teve que sair correndo comigo para o hospital por conta das dores intensas. Cheguei a sangrar por quase três meses. Afetou a minha vida profissional porque eu tive que parar de trabalhar e, quando eu tinha as crises, não conseguia ficar em pé, era insuportável. Então, minha vida ficou parada nos últimos três anos antes da cirurgia. Foi um processo muito sofrido”, conta.
Ela ainda relata que parou de ter uma vida social normal porque tinha uma crise atrás da outra:
“Eu já não tinha vontade de me socializar, de viver e cheguei a pensar que morreria da doença… Muitas vezes, em crise, eu ficava na cama, não tinha coragem de fazer nada por causa das dores, tinha uma fraqueza muito intensa, fiquei debilitada fisicamente e psicologicamente”.
TRATAMENTO
De forma geral, o tratamento tem por objetivo melhorar os sintomas da endometriose. “Uma opção é o tratamento clínico, com uso de medicamentos analgésicos e pílulas anticoncepcionais, com o intuito de bloquear os ovários e diminuir os níveis de estrogênio circulante”, explica Peregrino.
Existe ainda a opção de tratamento cirúrgico para retirada dos focos de endometriose. “Mas essa nem sempre é a melhor opção. Por isso, o tratamento deve ser realizado de forma individualizada, caso a caso, de acordo com a intensidade dos sintomas e do desejo ou não de gestação”,diz o médico.
CIRURGIA
Gisely acabou precisando passar pelo procedimento cirúrgico de emergência, em que foi preciso retirar seu útero. Atualmente, ela segue com o acompanhamento médico, pois descobriu que seu ovário esquerdo também está com nódulos.
“A princípio, o médico não quis fazer uma nova cirurgia para que eu não entrasse na menopausa precoce, mas provavelmente terei que fazer novamente para retirar o meu ovário, porque eu ainda sinto dores, mas não tão intensas como antes, porque hoje eu não sangro mais, não tenho o fluxo menstrual”, conta.
O médico explica que ainda não há cura para a endometriose, mas existem formas de amenizar o problema e garantir maior qualidade de vida para a mulher. “Com os tratamentos, tanto clínicos com remédios quanto cirúrgicos, é possível controlar os sintomas que a paciente tem”, conclui.