Quando minha mãe subia em uma cadeira para pegar uma caixa de papelão velha, tocava dentro de mim um sinal de alerta: o Natal está chegando. Porque na caixa minha mãe guardava os enfeites da árvore de Natal. Nada de lindas bolas coloridas nem guirlandas e muito menos anjinhos.
A vida era difícil e a gente se arranjava com o que era possível. Com os papeis prateados dos maços de cigarros do meu pai, que nós alisávamos bem e guardávamos o ano inteiro, forrávamos caixas de fósforo e colocávamos uma linha. Com todas elas, prateadas, enfeitávamos a árvore. Também usávamos pregadores de roupa de madeira – naquele tempo não existia plástico. Meu pai pintava com uma mistura inventada por ele e os pregadores ficavam cintilantes.
Tinha um anjinho, sim, esculpido em madeira por meu pai. Era o ponteiro da árvore, e cabia a mim, a caçula, colocar o anjinho como o último enfeite dela. Honraria que me deixava comovida. Eu chorava, o pai ameaçava palmada, choro engolido. Tudo muito simples, tudo muito pobre. Mas a gente não conhecia coisa melhor, então achava tudo lindo. Então aquele pouco era muito.
Na noite de Natal, o pai acendia uma fogueira, não existia poluição. O céu era um deslumbre. Nunca me esqueci. Os animais, com a luz da fogueira, se aproximavam. As cabras, duas vaquinhas, cavalo, pato, marreco… E ficávamos ali quietos e emocionados,
esperando um nascimento muito especial. A gente não sabia, mas intuía que iria mudar o mundo.
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