Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que uma a cada 160 crianças nascem com Transtorno do Espectro Autismo (TEA) no mundo. Trata-se de um aspecto que compromete as habilidades de comunicação e interação social da pessoa em múltiplos contextos.
E de acordo com uma pesquisa conduzida pela Austism Speaks, as chances de uma mulher que já tem um filho com autismo ter um segundo filho com o mesmo transtorno é de 18,7% (25,9% se o segundo bebê for menino e 9,6% se for menina).
Foi exatamente o que aconteceu com Sarah Sanches, uma mineira de 28 anos moradora de Montes Claros (MG). Ela é mãe de Heitor, de 11 anos, e Lorenzo, de 6, ambos diagnosticados com autismo.
Grávida do primeiro filho ainda muito jovem, ela demorou a perceber o que acontecia com Heitor, imaginando que eram apenas características da personalidade mais introvertida do menino, sempre bastante apegado a mãe.
“Só fui desconfiar que havia algo de errado mesmo quando ele foi ficando mais velho (e eu também). Percebi que aquela situação em que ele não se alimentava e não se desenvolvia como as outras crianças não era normal”, conta.
Já com o Lorenzo, seu filho mais novo, foi diferente. Justamente por levar o primogênito nas terapias, Sarah ficou em alerta ao perceber que o bebê começou a regredir e parar de se desenvolver. “Eu via que ele também era diferente, tanto que as outras mães me falavam antes mesmo de eu desconfiar”, relata.
MAS O QUE É O AUTISMO?
O TEA é conhecido também de diferentes maneiras, como Transtorno Autístico (Autismo), Transtorno/Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno Global ou Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação e é considerado um dos Transtornos do Neurodesenvolvimento.
A pedagoga e psicopedagoga Carolina Dutra Ramos Ferreira, que é coordenadora da AMA – Associação de Amigos do Autista da Unidade Cambuci, em São Paulo (SP), explica que o autismo faz a pessoa apresentar um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades. “Geralmente aparece antes dos três anos de idade”, ressalta.
Entre suas características, que podem variar de leves a graves, estão dificuldade na comunicação verbal e não verbal, em manter contato visual e em brincar de faz de conta. Esses pacientes ainda podem ter visão, olfato, audição e tato excessivamente sensíveis.
“Nesses casos, por exemplo, pode ser um problema colocar a roupa por sentirem aflição da costura e/ou podem apresentar manias de cheirar coisas, apego a rotinas”, completa.
Carolina explica que este transtorno é definido pela presença de déficits persistentes na comunicação e na interação social, e que é comum os movimentos repetitivos corporais ou com objeto, como balançar o corpo, as mãos ou girar objetos redondos para ficar olhando, além do apego com os pais, por exemplo.
Sarah, que é gerente de um bar na cidade em que mora, conta que os filhos são bem diferentes entre si e, em relação às características do autismo, são quase opostos.
“Lorenzo é compulsivo, sistemático, rígido e alegre. Gosta de dançar, cantar, tem fixação por máquina de lavar e sabe de cor todos os modelos e marcas. Já Heitor é super calado, tende a ser mais depressivo, sensível, esquecido e na dele”, detalha.
DIAGNÓSTICO
Foto: Arquivo pessoal
A montes-clarense conta que com Heitor, a primeira suspeita não era de autismo, mas sim de déficit cognitivo, o antigo ‘retardo mental’.
“Isso me deixou desolada… Mas não era um diagnóstico fechado. Logo em seguida a médica dele pediu novas avaliações. Eu sabia que ele tinha grandes capacidades, só não tinha interesse em fazê-las. E foi aí, com a ajuda de outros profissionais, que se chegou em um diagnóstico”, explica.
Já para o caçula, Lorenzo, a descoberta foi mais fácil por ele ter apresentado o autismo clássico.
TRATAMENTO
Caso os pais percebam algumas dessas características nos filhos, Carolina aconselha que o primeiro passo é procurar ajuda de um especialista, e foi exatamente isso que Sarah fez. Antes, porém, ela pesquisou muito sobre o assunto na web.
Atualmente, os filhos da mineira são acompanhados anualmente por neuropediatras e semanalmente por fonoaudióloga, psicóloga e terapeuta ocupacional.
“O tratamento deles consiste em estimulação, para que possam desenvolver tanto o lado emocional e psicológico, quanto cognitivo e sensorial”, explica.
A psicopedagoga ressalta que o acompanhamento médico, terapêutico e pedagógico têm fundamental importância no bom prognóstico da pessoa com autismo. “Desde que seja especializado, pois pessoas com o Transtorno do Espectro do Autismo têm características peculiares de aprendizado, diferenciando até mesmo da forma com que outras deficiências aprendem”, explica.
Ainda de acordo com Carolina, o tratamento mais indicado, inclusive com comprovações científicas de melhores resultados, é o ABA (Applied Behavior Analysis) – Análise Aplicada do Comportamento, que nada mais é do que uma abordagem da psicologia usada para a compreensão do comportamento, e que vem sendo amplamente utilizada no atendimento a pessoas com autismo.
DESAFIOS
Coisas consideradas corriqueiras para a maioria das pessoas podem ser um grande desafio para o autista. No caso dos meninos de Sarah, também é assim, inclusive na vida escolar.
“O desenvolvimento do Heitor é mais lento porque ele não teve uma estimulação mais cedo, na primeira infância… Então a coordenação motora é mais frágil, assim como sua noção de tempo/espaço, orientação nos dias, assuntos complexos, etc. Ele aprende mais devagar que a maioria, mas não por tem uma inteligência abaixo do normal, ele tem o cognitivo preservado”, explica a mãe.
Além de autista, o filho mais velho da mineira também tem TDHA -Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. “Resumindo: ele vive no seu próprio mundo, e voando (risos)”, diz.
A gerente ainda conta que Lorenzo é o oposto. Ela afirma que seu caçula tem uma ótima memória, aprende mais do que o esperado, porém não é bom em passar para o papel, então acaba sofrendo mais na questão de organização. “Só que, por ser rígido, não para de consertar enquanto não faz direito, o que demora um pouco”, destaca.
PRECONCEITO
Sarah não nega que já enfrentou algumas situações desagradáveis, inclusive dentro da própria casa. “Diziam que eu procurava doenças em meus filhos, ou que eram bicho do mato… Houve uma situação de quando meu filho mais novo ainda não era diagnosticado e chorava muito, nos mandaram pra fora para que ele chorasse na rua e não incomodasse. Mas passou, e é o que importa”, diz.
A preocupação da mineira é em relação às cobranças do mundo. Para ela, o modelo atual de educação, de jornada de trabalho e de vida é desgastante, exaustivo e frustrante para a maioria das pessoas, exigindo habilidades que nem todos possuem.
“Meu medo é que as pessoas olhem para eles e vejam o autismo, e não o Heitor ou o Lorenzo”, conta. “Isso porque pessoas que tem alguma comorbidade ou transtorno sofrem sempre uma pressão maior, tanto em se desenvolverem como “todo mundo” quanto serem coitadas, caso não se desenvolvam.”
Por fim, a mineira dá um conselho para as mães que passam pela mesma experiência que ela. “Antes você saber o que é para que possa se adaptar e ajudar o seu filho, do que nunca saber e ele ser a margem do que poderia ter sido. Tome essa responsabilidade para si e tudo tende a se ajeitar, mesmo que demore.”