“A primeira coisa que a gente pensa é ‘porque isso está acontecendo comigo?'”. Foi exatamente essa indagação que passou pela cabeça de Silvia Del Nero, de São Paulo (SP), após descobrir que sua irmã mais nova, Denise, havia sido diagnosticada com câncer no final dos anos 1980. “O baque foi grande, especialmente por ser uma época em que não se falava muito sobre o assunto”, diz.
Tanto que a terapeuta alquimista, então com pouco mais de 20 anos, precisou tomar frente para resolver tudo e, principalmente, dar o apoio que a parente tanto precisava naquele momento. “É como se fosse uma doença muito, muito distante de nós. A gente sempre acha que acontece na vida dos outros e nunca na nossa família”, conta.
Quando um familiar descobre que precisará enfrentar um câncer, é comum não saber como agir em um primeiro momento. Mas, além de atingir o paciente, o impacto do diagnóstico também envolve todos à sua volta. Por este motivo, é importante entender como lidar com a situação.
“As reações são diversas, mas, em geral, em um primeiro momento costuma haver uma sensação de perplexidade, de que o chão sai dos seus pés, além da negação, de pensar que ‘este problema não é comigo’, ‘este exame deve estar errado’, ‘isso não é possível'”, conta o oncologista Fernando Maluf, que é fundador do Instituto Vencer o Câncer, em São Paulo (SP).
QUEM CUIDA TAMBÉM PRECISA DE CUIDADOS
Envolver o familiar no dia a dia do paciente é um processo que pode demorar algum tempo até que ele se adapte e sinta-se confortável para doar-se. Isso porque, com a descoberta da doença, muda também toda a rotina de quem convive diretamente com o paciente, como aconteceu com Sílvia.
“Eu havia acabado de me formar, estava me casando também, e achava que podia tudo. Mas os seus objetivos, seu olhar para a vida e as prioridades mudam muito. Quando você passa por um processo desses, amadurece de uma hora para a outra”, conta.
Natalia Novaes Pavani Soler, do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo (SP), lembra que este é um momento de adequação. “Por isso, pare com as cobranças e capriche no acolhimento”, aconselha.
Segundo ela, o primeiro passo para lidar com o desequilíbrio emocional causado pela doença é reconhecer que a descoberta do câncer é algo imprevisto, que não estava programado.
“É importante que a família e o paciente tenham a clareza de que esse é um momento particular da vida familiar e que, juntos, todos aprenderão como lidar da melhor forma a superar essa situação”, completa.
FAMILIAR RESPONSÁVEL
Maluf lembra que, em geral, algum familiar sempre dá um passo à frente como cuidador oficial. “Essa pessoa vai ser responsável por acompanhar nas consultas, por ser a que transmite as notícias para os outros familiares e será a que tem uma relação mais próxima com o profissional médico”, diz.
Foi exatamente como aconteceu com Sílvia. Como os pais ficaram em choque com a descoberta da doença da filha, ela acabou sendo a responsável por fazer as coisas funcionarem naquele momento.
“Eu quem ia com ela ao médico, que a acompanhei na cirurgia e que cuidei dela depois disso, bem no Natal. Muita coisa ficou pesada, mas quando a gente é jovem, tem muito mais força e mais garra”, desabafa.
É POSSÍVEL ENCARAR ESSA RESPONSABILIDADE SEM TANTO SOFRIMENTO?
Segundo a psicóloga, sim! Natalia explica que um detalhe muito importante do processo de tratamento oncológico é que as pessoas tomem cuidado com a proporção que a doença pode ocupar na vida do paciente e de seus familiares.
“É imprescindível que se tenha responsabilidade e comprometimento com os tratamentos, porém, isso não impede que outros aspectos da vida se mantenham, ou ainda que novas possibilidades sejam criadas”, afirma. Ou seja: tente levar a rotina normalmente sempre que possível.
Ela também lembra que, caso esse cuidado não seja tomado, isso poderá causar um sofrimento que toma uma proporção muito além da qual o paciente daria conta: “Podendo prejudicar alguns aspectos importantes e sagrados da vida, provocando separações e sofrimentos para além da doença física”, ressalta.
TODOS PRECISAM DE APOIO
Além do paciente, que precisará de todo o cuidado, é muito importante que quem está ao redor também receba a atenção da equipe de saúde. Isso porque existe a fantasia de que o familiar deve ser uma fortaleza nesse processo e que não pode sofrer ou, pelo menos, não demonstrar isso para supostamente não fragilizar ainda mais o paciente.
“Só que, nisso, quem está doente também sofre sozinho, pois na tentativa de “poupar” a sua família, guarda para si o que sente, suas preocupações e angústias, sendo algo muito negativo para o seu tratamento”, afirma a psicóloga. Assim, esse fenômeno da ‘conspiração do silêncio’ deve ser evitado.
“Por vezes algum membro dessa relação opta por não compartilhar informações centrais, com a justificativa de minimizar o sofrimento. Mas funciona como uma bola de neve, só intensifica o sofrimento emocional”, completa.
PROBLEMAS QUE PODEM SURGIR JUNTO COM O DIAGNÓSTICO
De maneira geral, as famílias passam por um processo de adaptação e, assim como os pacientes, acabam criando recursos emocionais para lidar com a situação. A psicóloga, no entanto, alerta para a possibilidade de sobrecarga do cuidador.
Isso pode impactar em sua vida de forma bastante ampla, afetando tanto o lado conjugal, como financeiro e religiosa/espiritual. “Por isso, como equipe de saúde, devemos ter em nossos radares de atenção o cuidado aos familiares, principalmente em pacientes que apresentam quadros clínicos mais graves e demandam maior complexidade de cuidado”, alerta.
APOIO FAMILIAR
Para Fernando Maluf, os familiares têm um grande papel neste período. “Eu diria que é como se fosse o terceiro par de remos na luta e na vitória contra o câncer. O primeiro é regido pelo paciente, o segundo por toda a equipe médica e profissionais de saúde e o terceiro pela família, com um ponto apoiador de forma bastante importante”, diz.
A psicóloga concorda e ainda alerta que é preciso estabelecer certos limites em alguns momentos. “O suporte sócio-afetivo é fundamental para o bem-estar e boa adesão aos tratamentos, mas é diferente de um posicionamento superprotetor, invasivo e que não leva em conta o desejo e o saber do paciente. O limite é tênue, mas assim como o temperar um alimento, nós temos a capacidade de nos adequar de maneira satisfatória para ser um diferencial e não algo que cause estresse durante o tratamento”, explica.
Por fim, Sílvia, cuja irmã ficou curada após o tratamento, dá um conselho: “Eu nunca tive câncer, mas eu convivi com três pessoas que tiveram. É importante dar o apoio e toda a estrutura para a pessoa conseguir seguir em frente de uma maneira digna e feliz. Eu acho que o principal de tudo é olhar para a pessoa com outro olhar, de ‘vamos’,’estamos juntos’, sem aquele pensamento de ‘coitadinha, está passando por isso’, porque isso machuca muito”, conclui.