Cancelamento, deslike, bloquear… Em tempos como os atuais, em que as redes sociais imperam, é muito comum nos depararmos com esses termos. No entanto, quando isso se torna um sentimento de rejeição, acaba trazendo consequências bem preocupantes.
Quem não se lembra da ex-participante do ‘Big Brother Brasil 18′, Patrícia Leitte, que sofreu uma rejeição histórica na época de sua participação, sendo eliminada do programa com número recorde de votos? No entanto, o que parecia só um jogo, trouxe diversos problemas para ela na ‘vida real’.
Apesar de hoje em dia encarar a situação de forma bem-humorada, a ex-BBB revelou, em bate-papo recente com Marcia Goldschimdt, que chegou a pensar em suicídio após sua saída do reality. Tudo por conta da alta rejeição do público.
No ‘BBB21’, atualmente no ar, o participante Nego Di foi outro que também sentiu na pele a rejeição do público. Após sua saída, com recorde de 98,76% dos votos, o comediante gaúcho falou sobre o que sentiu.
“Fui julgado de uma maneira muito cruel, não foi um cancelamento, foi um linchamento. Estou sendo julgado como se fosse um criminoso, pior que um. Como se tivesse matado alguém, como se fosse um serial killer ou psicopata”, declarou ele em suas redes sociais.
Por fim, na noite da última terça-feira (23), foi a vez de Karol Conká “pegar a coroa” da rejeição, com incríveis 99,17% dos votos. Tanto que, entre o anúncio da eliminação e a entrevista de Tiago Leifert com a cantora, a TV Globo optou por fazer um intervalo na programação – o que representou uma quebra nos protocolos do ‘BBB’ e fez com que os telespectadores questionasse se Karol estaria ensaiando suas respostas ao apresentador.
Na sequência, a rapper surgiu no palco com aparência abatida e algumas lágrimas nos olhos. “Eu me perdi dentro de mim e me senti muito frustrada. Eu nunca imaginei que fosse dar uma surtada. Eu tenho mania de controle, eu vivo uma vida onde eu controlo tudo, eu sou dona da minha vida e da minha carreira. E chegar ali sem poder controlar achismos e nem minha animosidade me deixou muito mal”, contou.
É SÉRIO!
Eduardo Perin, psiquiatra do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), avalia que situações como a que os ex-participantes do reality show passaram são bem sérias. “Além do bullying e da rejeição, a desaprovação social geral que acontece nas redes sociais pode, sim, levar uma pessoa a ter atos extremos”, alerta.
O médico explica que as redes sociais funcionam como uma espécie de vitrine: é ali que o indivíduo mostra parte de si esperando alguma aprovação do outro, uma espécie de ‘recompensa’. “Na hora em que você publica uma foto ou texto, já recebe quase que imediatamente alguma resposta, curtidas, comentários. Então, é como se estivesse esperando aprovação de todo mundo que está ali”, avalia.
Se a pessoa é rejeitada nessa situação, as consequências podem ser tão ou até mais intensas do que se fosse algo na ‘vida real’, pois a grande exposição pode causar um impacto maior. “É algo comparável ao bullying, de não fazer parte daquele grupo e nem daquela comunidade, como se ninguém gostasse de você, ou te visse como uma pessoa bacana que as pessoas querem estar perto”, diz Perin.
PROBLEMA VEM LÁ DE TRÁS
A rejeição é um sentimento que pode começar muito cedo na vida, inclusive antes mesmo do bebê conseguir balbuciar as primeiras palavras, expressando o que sente ou pensa. “É algo muito primitivo do ser humano, de achar que pode ser deixado de lado, perder quem ama ou ser trocado por alguém que supostamente é melhor que ele”, explica o psiquiatra.
A péssima notícia é que essa sensação tende a perdurar ao longo da vida, trazendo consequências muito difíceis na fase adulta. “A tendência é que a pessoa tenha algumas formas de lidar com aquilo, como se humilhar muito, tentando ser a melhor pessoa para quem, claramente, não tem interesse recíproco. Ela faz de tudo para manter esses indivíduos próximos dela”, detalha o médico.
Outro jeito é ir para o extremo oposto, de forma consciente ou inconsciente, evitando se relacionar, para não criar vínculo com as pessoas em uma tentativa de, futuramente, não se machucar. “Isso acaba tendo um impacto na vida muito importante, principalmente nos seus relacionamentos afetivos, amorosos, familiares e de amizade”, diz.
Eduardo Perin destaca ainda que, aqueles que sofrem rejeição na primeira ou segunda infância e adolescência, principalmente quando se trata de bullying, costumam se tornar mais inseguros na vida adulta, sempre tentando agradar as outras pessoas e constantemente preocupadas com o que estão pensando.
“Ou também podem fingir que não ligam para aquilo, batendo no peito para dizer que é seguro e não se importa com a opinião alheia. Mas, no fundo, é tudo o mesmo sentimento, tanto a pessoa que agrada demais quanto aquele que não admite que tem essa preocupação”, avalia, antes de completar:. “O que está por trás é o medo da perda do outro e de se relacionar com alguém emocionalmente.”
MAS COMO LIDAR?
É muito fácil aconselhar essas pessoas a não se preocuparem tanto com a opinião alheia, ressaltando que devem ser mais seguras e que precisam acreditar mais em si mesmas. O psiquiatra lembra, porém, que quando esse sentimento de rejeição se inicia na infância, ele tende a ser muito profundo.
“Em geral, requer um tratamento psicológico e uma psicoterapia para tentar resgatar essa autoconfiança, esse autoconceito dela mesma e, inclusive, a autoestima. A psicoterapia ajuda a lidar melhor com essa percepção do mundo”, afirma.
EM QUE MOMENTO DEVO PROCURAR AJUDA?
Segundo Perin, o sentimento de rejeição pode afetar diversas esferas da vida, como a profissional, relacionamento conjugal/ afetivo e de amizade. Assim, vale se atentar em alguns aspectos:
– Percebe que está sofrendo muito, sendo muito sensível ao abandono e a aprovação das pessoas;
– Nota que essa questão está interferindo em sua vida, a ponto de causar alguns sintomas depressivos;
– Sentimentos de tristeza, desânimo e falta de vontade de fazer as coisas, além de falta de iniciativa e prazer;
– Dormir demais ou de menos;
– Comer demais ou A de menos.
“Quando a pessoa percebe que isso está interferindo na vida dela como um todo, ela deve buscar ajuda de um psiquiatra e de um terapeuta. É muito importante que a pessoa reconheça que ela precisa, sim, de ajuda”, conclui o médico.