No período perinatal (da gestação até um ano pós-parto) é vital ter apoio em muitas formas. Se você está grávida pela primeira vez, ou pensa em engravidar, já sente medos e antecipações só de pensar no assunto. Em todos esses momentos, o suporte psicológico durante a gestação é importante e suaviza o caminho até a chegada do bebê ao mundo e prepara a mulher para as lidas futuras e imprevisíveis.
Katherine Sorroche, psicóloga especialista em saúde mental da mulher e parentalidade, conta de que forma esse apoio ajuda, na prática, a vida da mulher nesse período transformador. “O acompanhamento psicológico durante a gestação, bem como o pré-natal psicológico abrangem uma tríade que considero essencial para que essa mulher chegue ao puerpério mais fortalecida emocionalmente: informação, prevenção e manejo do stress”, resume ao ilustrar algumas situações que a terapia durante a gestação abarca.
“É durante a gestação que se entende a história de vida dessa mulher e o contexto dessa gestação e várias esferas, como econômica, social, afetiva, familiar e outras”, diz Katherine. Nesse aspecto, ela explica que é aí também onde a terapia vai desvendar históricos anteriores de depressão ou outros transtornos, de forma que a psicóloga possa atuar mais diretamente na prevenção e conscientização de situações que poderão ocorrer no pós-parto e ao longo do puerpério psicológico.
“Desajustes conjugais, rede de apoio disfuncional, reconhecimento e validação de sentimentos como impotência, insegurança e confusão, prevenção de doenças psíquicas aparecem nessas conversas”, exemplifica ela.
MEDO DO PARTO E OUTROS RECEIOS
Em relação ao manejo do estresse, o parto é um ponto crucial a ser conversado, segundo Katherine. “É assim que se ajuda a mulher a ter clareza das opções possíveis para que ela tome uma decisão com segurança, levando em conta a sua vontade”, conta a psicóloga, acrescentando que nessa pauta também se abordam os medos e ansiedades inconscientes em relação à gestação, ao parto e ao puerpério.
O processo de tornar-se mãe e adaptar-se à nova vida e à nova rotina, além de, principalmente, integrar o papel de mãe com todos os outros papéis importantes para essa mulher, está compreendido no que se conhece como puerpério emocional, ou puerpério psicológico. “E é extremamente importante ressaltar que esse processo de transição e de integração mulher-mãe pode durar até dois ou três anos de idade da criança”, alerta Katherine.
Por essa razão, é importante diferenciar o puerpério fisiológico do emocional. “O puerpério fisiológico é o período que o corpo precisa para se readaptar como um corpo que pariu, ou seja, um corpo que está sobrecarregado, sob exaustão fisiológica em decorrência da gestação e parto. Ele dura entre 45 e 60 dias”, explica a psicóloga.
Também nessa fase, a mulher pode vir a desenvolver o baby blues ou a tristeza puerperal, conta Katherine, ao definir essa situação como um período de instabilidade emocional, choro sem motivo, tristeza repentina, introversão, irritabilidade e cansaço. “Ele pode ocorrer entre o terceiro e quinto dia após o parto e deve desaparecer até o final do primeiro mês do bebê”, calcula ela.
EMOÇÕES INCONSCIENTES VÊM À TONA
“Nesse período, há toda uma revivência inconsciente do vínculo estabelecido com a própria mãe. Essa mulher gestante e posteriormente puérpera revive inconscientemente a própria gestação, parto, amamentação, as sensações de segurança ou insegurança, as privações que possa ter passado, os sentimentos de abandono e rejeição, todos os estados emocionais saudáveis ou não na relação com a própria mãe”, revela Katherine.
Na sua visão, ir tratando essas emoções pessoais que emergem já na gravidez vai contribuir muito para que a mulher vivencie a gestação, o parto e os primeiros vínculos com o bebê de forma mais consciente. “Esses episódios da vida da mulher tendem a ser um reflexo de como ela vivenciou isso com a própria mãe, portanto, quanto antes a gente olhar e cuidar dessa relação, mais fortalecida emocionalmente essa mulher estará para vivenciar um puerpério mais tranquilo”, recomenda.
VULNERABILIDADE E FRAGILIDADE
Esse é um período em que, fisiologicamente, a mulher fica mais “regredida” emocionalmente. Isso quer dizer que ela fica mais sensível e vulnerável, mais frágil, segundo aponta a psicóloga. “Para muitas mulheres demonstrar essa fragilidade é se colocar em um lugar de extrema vulnerabilidade e simboliza fraqueza. Quanto antes a gestante se permite receber ajuda e até mesmo assumir a sua própria fragilidade, mais ela estará fortalecida para enfrentar os desafios da maternidade”, avisa.
Katherine conta que muitas mães trazem demandas sobre o medo do parto e também do puerpério, abrindo sua ansiedade em relação a esse período futuro que está para chegar. “Algumas também buscam o apoio psicológico na segunda gestação para evitar que o segundo puerpério tão intenso quanto o primeiro”, relata.
ILUSÃO DE CONTROLE
A especialista analisa que medos e ansiedades também emergem como reflexo de uma vida de planejar, seguir metas, atingi-las, passar para o próximo objetivo e tudo o mais que a mulher atual está acostumada a manejar. “Isso nos colocou em uma posição de controle e previsibilidade sobre tudo, mas é justamente isso que a maternidade não vai permitir. Será impossível ter previsibilidade e qualquer tipo de controle sobre o parto, sobre os primeiros dias com o bebê, sobre a amamentação, sobre seus sentimentos e emoções”, antecipa a psicóloga, considerando este um dos assuntos cruciais na abordagem psicológica durante a gravidez.
CHORO SEM MOTIVO: COMO LIDAR?
Diante desse conhecido sintoma, Katherine tem uma posição: “Eu recomendo fortemente que chore, que coloque isso pra fora. Nessa fase, a gente não quer nomear o sentimento. A gente tem que dar vazão a esse choro”, reconhece. Ela explica que a hora da terapia é que é o momento de compreender todas as mudanças e dificuldades que a gestante/puérpera está vivenciando para, então, conscientizar, trazer clareza. “A gente só consegue lidar com aquilo sobre o que temos clareza, então na terapia essa mulher vai compreender de onde vem esse choro e esse sentimento sem nome — se é medo, ansiedade, angústia, privação de sono, mudanças fisiológicas, e outros”, conta a especialista.
5 Dicas da especialista para o momento gravidez/puerpério
- Busque apoio psicológico desde o início da gestação e mantenha durante o puerpério;
- Saiba que você não tem controle sobre nada;
- Torne-se segura para construir o seu jeito de maternar;
- Não se apegue a manuais, não seja a mãe de check list. Não existe maternidade perfeita;
- Prepare-se para o puerpério, mas entenda que somente ao chegar lá e se abrindo para vivenciar esse momento a cada dia é que você irá realmente compreender o que é.