Chocolates, jantar à luz de velas, madrugadas românticas, bilhetes de amor… mimos tão comuns ao Dia dos Namorados e que pouco a pouco deixam de existir após a chegada dos filhos. Ou será que não? Me diga: você ainda mantém esse clima de romance no ar ou nem se lembra mais como era sair a dois e curtir aquele olho no olho que provoca “borboletas no estômago”?
Embora alguns casais digam que nada mudou após a chegada das crianças, é muito mais comum ouvir histórias de adultos que responsabilizam o cuidado com os filhos como justificativa para o esfriamento da relação. Mas a verdade é que os pequenos não podem e nem devem ser responsabilizadas por nada, muito menos pelo que acontece em um casamento ou no relacionamento amoroso das mães ou dos pais.
Mas, afinal, qual é a importância de manter a vida amorosa em dia depois dos filhos? A psicóloga Bárbara Snizek Ferraz de Campos, mestre em Antropologia, explica que manter uma vida afetiva depois do nascimento dos filhos é essencial para que essas pessoas nãos se tornem, com a chegada da criança, apenas cuidadores. O casal, independentemente de sua formação, continua ali. “É importante que as duas partes da relação não se sintam sufocadas e engolidas e a vida a dois se mantenha, inclusive e especialmente pelo lado amoroso, para que seus papéis como responsáveis pela criança não fiquem acima do casal que antes existia”, pontua.
Samira Almeida, mãe de Sofia, de 2 anos, conta que ela e o marido, antes do nascimento da menina, já tinham uma rotina de estarem muito tempo juntos por serem sócios e trabalharem na mesma empresa, mas pouco tempo como casal. “Tínhamos um combinado entre nós de prepararmos, de tempos em tempos, uma surpresa um pro outro. Só que com a chegada da pequena e a pandemia, ficou tudo muito desorganizado e, literalmente, quem grita mais tem ganhado atenção. Então, a ordem de prioridade por aqui é a Sofia, a empresa e, lá no finzinho da fila, a gente”, explica.
Ela, contudo, ressalta que os dois seguem bem, principalmente porque têm os mesmos objetivos de vida e de futuro. “Estamos organizando a retomada do ritual de antes, de ter um dia reservado para um cuidar do outro, surpreender o outro, agradar mesmo. Seria melhor se não fosse planejado e mais ou menos combinado? Seria. Mas, se fosse assim, não aconteceria com a frequência que a gente quer e precisa”, avalia.
Já Lilian Christine Lopes, mãe de Sol, de 10 anos, que não está em um relacionamento com o pai da menina, tenta cultivar o romance com o namorado sempre que estão juntos. “Após o nascimento de minha filha, fiquei sozinha durante um bom período. Quando voltei a namorar, fiz questão de ter um tempo só pra mim com ele. Como minha filha, normalmente, vai para o pai apenas a cada 15 dias, acabo me encontrando com meu namorado com esse intervalo também. E, nessas ocasiões, sempre tentamos fazer algo diferente para não cair na mesmice e como não estamos juntos toda semana, a saudade também ajuda”, diz. E complementa: “Da mesma forma que casais que são pais querem um tempo só para eles, mães que namoram também querem, e precisam desse tempo”.
QUANDO TUDO MUDA
Quase invariavelmente, a chegada dos filhos altera, sim, a vida do casal. Isso não quer dizer que tais mudanças sejam boas ou ruins, melhores ou piores, mas que elas, inevitavelmente, acontecem. E mais: na maioria das vezes, essa transformação atinge em cheio a vida sexual e amorosa.
A psicóloga Rafaela Fernandes, especialista em Relacionamentos e Pós-Graduada em Terapia de Família e Casal, explica que manter a vida amorosa em dia depois dos filhos é extremamente importante, visto que quando nasce uma criança, a função mulher/homem não se perde, apenas temporariamente pode ter sua intensidade diminuída pelos cuidados com a criança e, principalmente, pela construção da nova identidade: mãe e pai.
“Ocupamos diversas funções ao logo da nossa vida, as quais precisam se equilibrar para uma boa saúde mental. Então, além de pai e mãe, seguimos sendo homem/mulher, amigo/amiga, funcionário/funcionária (e tantas outras funções que desenvolvemos) com nossos desejos e necessidade de afeto particulares a cada um. Entretanto, equivocadamente, as pessoas se deixam de lado, pois não se percebem como um ser sistêmico e complexo o qual tem muitas necessidades, além de cuidar exclusivamente dos filhos, como muitos vêm fazendo por aí. Dessa forma há um aumentando dos índices de depressão, baixa autoestima e frequentes crises no relacionamento”, pontua.
Para Monica Machado, psicóloga e fundadora da Clínica Ame.C, a autocobrança sempre irá existir, seja ela com ou sem filhos. O que o casal não pode esquecer, porém, é que não pode entrar um terceiro na sua relação amorosa. “Relação paterna e materna precisam ser separadas para que não haja essa lacuna na vida do casal. A mudança precisa ser compreendida quando o filho nasce, devido a uma série de alterações no cotidiano, inclusive as hormonais da mulher. Porém, a criança precisa se adaptar à rotina do casal. O que atrapalha a relação amorosa é que o inverso sempre ocorre. O casal muda sua rotina com a chegada do filho, se exime de sair para jantar fora a dois, ou de fazer viagens românticas a dois. Tudo isso precisa ser mantido para que não se torne uma tríade amorosa”, enfatiza.
Já Virginia Gaia, psicanalista, astróloga e sexóloga com abordagem holística, diz que manter uma vida sexual saudável e regular é fundamental para qualquer indivíduo, com filhos ou sem filhos, e que a chegada da criança deve ser incluída na rotina do casal de forma harmônica à intimidade de ambos, mesmo que isso possa parecer desafiador em um primeiro momento. “É preciso resgatar, na medida do possível, a identidade do casal, de forma que a maternidade e a paternidade não sejam o único elo entre os dois”, diz.
Mas manter a relação amorosa após o nascimento da criança não é importante apenas para os pais, mas para os próprios filhos. É o que afirma a sexóloga Aline Farias, que é educadora sexual e palestrante especialista em relacionamentos. Através do relacionamento dos adultos, a criança aprende o que é um casamento/ relacionamento, sobre o papel de cada um nessa relação e como se comportam e agem como casal. “A criança aprende pelo exemplo que tem em casa. O que acontece, contudo, é que a grande maioria esquece de ser um casal e vive somente no papel de responsáveis por aquele filho. E para que um relacionamento se mantenha, é importantíssimo terem, por exemplo, um dia na semana para serem, de novo, apenas o casal. Pode ser um jantar, assistir a um filme juntos, planejar uma viagem, namorar etc. Dessa forma, a criança vai aprendendo que relacionamento exige dedicação e que é normal ser um casal além de maternidade/paternidade”, diz.
AQUELA FORÇA NA LIBIDO
É bem comum, depois que chegam as crianças, que haja uma mudança na rotina a dois. Inclusive, logo após o nascimento do bebê existe uma queda natural na libido. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que os rituais que antes envolviam organizar encontros, escolher uma roupa para sair com quem se ama, preparar uma comidinha gostosa etc, acabam se perdendo na exaustiva rotina da maternidade. Além disso, a autocobrança da própria mulher, assim como a cobrança do parceiro(a), podem acabar também interferindo na saúde mental. É possível, com essa nova realidade, manter o relacionamento de forma saudável? Sim, é possível, mas não é fácil.
Rafaela Fernandes esclarece que nem sempre a libido diminui, mas o cansaço faz com que haja menos energia sexual disponível em um dos parceiros ou em ambos. E, para isso, é importante trabalhar a aceitação das suas limitações, compreender que é uma fase que passa por diversos momentos – nascimento, puerpério, amamentação e outros – e manter constantemente um diálogo claro e franco. É importante também compartilhar as dificuldades e alegrias, para que não venham a haver ruídos passíveis de desentendimentos e, com isso, mais desequilíbrio emocional no sistema familiar.
“Muitas pessoas que têm baixa granulidade emocional (não sabem nomear sentimentos) podem obter ajuda através da terapia. Na criação da nova rotina é importante tentar manter, ainda que com uma frequência menor, hábitos do casal antes de terem filhos. Hábitos também que ambos tinham individualmente, como encontro com amigos e programas coletivos, sendo que agora, com a presença do novo integrante da família”, diz.
Para Virginia Gaia, é importante se respeitar e também ter um canal aberto de diálogo com o parceiro(a). “É comum haver uma queda de libido, até por questões hormonais, em um primeiro momento. Porém, quando bem administrado emocionalmente, essa fase tende a passar e o desejo se restabelece. Nesse processo, é importante reconhecer as diferentes fases e necessidades. Além, é claro, de buscar ajuda profissional quando for necessário”.
E, uma dica de ouro para estimular essa conexão, é resgatar o passado. “Relembrar a fase do namoro, onde vocês gostavam de ir, o que gostavam de fazer… Reveja um filme que assistiram, dancem na sala ou coloquem para tocar no carro aquela música que era tema de vocês. Um bombom que você ganhava ou presenteava e faz tempo que não come, compre para saborearem. O resgate da memória é uma ótima ferramenta até para o casal se lembrar porque está junto e porque se apaixonaram. Não são viagens e presentes caros que fazem um casal se reconectar, são pequenas coisas com significados especiais que somente essas duas pessoas entendem”, lembra Aline Farias.
NÃO É INIMIGA
Ela pontua, ainda, sobre outro pensamento comum, de que fugas da rotina podem ajudar os casais. “Eu gosto sempre de dizer que a rotina não é inimiga, muito pelo contrário, ela é sua maior aliada. O que dificulta a vida do casal é justamente a mesmice. Muitos casais têm em mente que precisam fazer algo muito grande, como viajar e ficar dias longe, para resgatar o relacionamento. Mas, na verdade, isso deve acontecer no dia a dia. Não é necessário fazer uma viagem logo de cara. O processo é gradual. Comecem escolhendo um dia da semana para vocês. Deixem os pensamentos na casa, por exemplo, como lavar a louça, para o outro momento. O foco desse dia está em vocês. Pode ser um café da manhã como também pode ser um jantar, em casa mesmo, aproveitando a rotina já alinhada à do bebê. Se tiverem a oportunidade – já que nem todo mundo conta com rede de apoio – de em um sábado ou um domingo deixarem o bebê com a sogra, a mãe ou alguém de confiança, saiam um pouco. Não precisa sumir o dia todo, basta sair para tomar um café ou um sorvete fora, 15 a 30 minutos dedicados a vocês, como casal, e ai depois vão aumentando gradativamente conforme o bebê for crescendo também”.
Monica Machado, no entanto, faz um alerta importante: que se retome à rotina de casal e se estabeleça dias e horários para ficar junto, sim, mas não esquecendo que, além disso, precisam dos momentos com os filhos para que a relação familiar também se fortaleça. É preciso dizer, ainda, que embora sair da rotina, com uma viagem ou um programa bacana fora de casa, seja uma boa estratégia, nem sempre é possível. E tudo bem. Afinal, nem todo mundo tem condições financeiras ou uma rede de apoio. Mas é possível, mesmo em casa, fazer algo diferente. “Programas que até incluam a criança, mas que mudem um pouco a dinâmica do casal, ou ter um momento a sós em casa mesmo, já está valendo. E que não esqueçam de demonstrar carinho, se importar com as questões da outra parte, ajudar no que for possível e que o diálogo sempre se mantenha aberto. Isso também faz toda a diferença”, conclui Bárbara Snizek.
AQUELA FORÇA EXTRA
Pedimos para os especialistas que participaram da matéria que sugerissem livros, podcasts, programas etc para os casais consumirem, para dar aquela ajuda. Abaixo, algumas dicas:
Dicas de Rafaela Fernandes:
- Os livros “As regras de ouro dos casais saudáveis”, de Augusto Cury;
- “A Equação do Casamento”, de Luiz Hanns;
- “Famílias e Casais (do sintoma ao sistema)”, Salvador Minuchin;
- O canal no Youtube do Luiz Hanns.
Dicas da Monica Machado:
- No Spotify há playlists de músicas românticas;
- Os filmes “After – Depois do Desencontro”, na Amazon Prime Video;
- “Mesa para Quatro”, no Netflix;
- “A Vida Em Um Ano”, no Google Play Filmes;
- “Nosso Amor”, no Google Play Filmes;
- “O Melhor Amigo da Noiva”, na Netflix;
- “Muito Bem Acompanhada”, na Netflix.
Dicas de Aline Farias:
- Os livros “As 5 linguagens do amor”, de Gary Chapman,
- “Amar, desamar, amar de novo”, de Marcos Lacerda;
- Na Netflix, série “Goop: Muito Além do Prazer”.