Todos os anos, milhares de estudantes brasileiros viajam para estudar fora do país. E esse período que se aproxima – do início do ano e das férias de verão no Brasil – é o que os brasileiros normalmente escolhem para ir.
Se, por um lado, a experiência do intercâmbio é transformadora e acrescenta muito na vida pessoal e profissional dos adolescentes, por outro, a gente sabe, pode se tratar da primeira experiência de afastamento entre pais e filhos. E é exatamente por isso que gera muitas preocupações e dúvidas antes da tomada de decisão.
Pesquisar, se informar sobre o destino e os programas de estudos, além de conversar com outros intercambistas, é fundamental para definir o local e o momento ideal para deixar nossos filhos partirem nessa aventura. Por isso, na matéria dessa semana, vamos conversar com especialistas no assunto para tirar dúvidas e ajudar no processo.
O MOMENTO CERTO
Quem é da geração de adolescentes dos anos 1990 e 2000, certamente já pensou, em algum momento, em ir para o exterior estudar, especialmente para os Estados Unidos – ainda hoje os países de língua inglesa mais procurados, além de Canadá, Austrália e Irlanda. Decidir que um filho pode passar um tempo fora, porém, não é fácil. Há o medo da não adaptação com a cultura local, de não fazer amizades, de ficar doente longe de casa e até de, com o passar do tempo, resolverem ficar mais tempo que o previsto.
Mas também devemos ponderar tudo de bom que acontece com essa experiência: mais maturidade e independência para resolver os problemas sozinho (afinal, por mais que a ida seja por meio de um programa, não existe mãe e pai por perto), fluência em um idioma que certamente será importante para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, o aprendizado adquirido em um país totalmente diferente do Brasil, e a bagagem de vida que eles trazem de volta.
Então, dito isso, fica a pergunta: se for a vontade de nossos filhos, quando é a hora de investir em um intercâmbio?
Para começar, com qual idade devemos começar a pensar no assunto? Rodrigo Robert Porto, mestre em educação e história e Diretor Acadêmico da Escola Canadense de Niterói, explica que não existe uma idade mínima específica para o intercâmbio. No entanto, o mais comum é que aconteça durante o ensino médio, já que os alunos têm uma maturidade melhor e fazer equivalências curriculares com instituições ajuda. “Em termos de legislação, a partir dos 16 anos fica mais consistente conseguir vistos estudantis”. Já sobre a existência de uma idade limite para ir, varia muito do programa e da escola que está se buscando. Porém, geralmente, a idade de 19 anos é um corte”, conta.
Um dos questionamentos mais comuns dos pais é em relação a adaptação dos filhos ao local que vão fazer o intercâmbio. Sobre isso, Porto esclarece que a vida em um país estrangeiro é repleta de desafios e, assim, tem que existir um processo de escuta ativa do aluno, dos responsáveis e das instituições de ensino. “Já vimos de tudo acontecer. Alunos que são mais apegados com os pais se darem bem no dia a dia, com bastante autonomia e independência e o contrário também, alunos que mostravam-se independentes que acabaram desistindo”, conta.
TIPOS DE INTERCÂMBIO
Quando se fala em intercâmbio, habitualmente as pessoas associam a cursar o ano letivo no exterior. Entretanto, existem algumas diferenças sobre o que hoje existe nesse mercado, como cursos para fazer apenas durante as férias escolares no Brasil; os que têm duração de um mês apenas; outros que aliam viagens de turismo a algum curso, entre outras opções.
Rodrigo explica que os cursos durante as férias têm objetivos bem específicos, sendo o mais comum deles a imersão durante duas ou três semanas em uma língua estrangeira. Já os intercâmbios semestrais e anuais têm a mesma ideia, a de vivenciar o dia a dia escolar regular. Os alunos são inscritos como estudantes da instituição de origem “cedidos” àquela escola para terem uma vida regular de estudante. “Uma das coisas que sempre recomendo é conhecer a instituição antes de escolher qual o curso e pensar se a sua expectativa está de acordo com a realidade que se espera”, sugere.
Uma dúvida recorrente é, quando o intercâmbio é fora do período de férias, como funciona a equivalência com escola no Brasil. Perde-se o ano letivo? Um ano (ou bimestre ou semestre) lá corresponde a um daqui? “Quem define isso é o regimento interno de cada escola. Geralmente, o que se faz é uma prova de reclassificação quando o aluno retorna. Há casos mais específicos de escolas internacionais que validam o currículo da escola de destino antes que o aluno realize o intercâmbio”, pontua Porto, que continua: “se houver necessidade de recomposição do currículo nacional, este deverá ser feito através de provas que atestem a proficiência do aluno. Estas atividades podem ser programadas durante o restante do ano letivo ou no início do seguinte.”
Sylvia Tzemos Sobreira, Diretora de Admissions da Escola Canadense de Brasília, esclarece ainda que, no Brasil, é permitido às escolas considerarem a presença de alunos em escolas no exterior e avaliarem o aprendizado dos estudantes para validar a promoção de séries. “Não necessariamente haverá a retenção, mas cada caso precisa ser analisado individualmente”, diz. Já sobre as matérias que não têm no exterior, como História do Brasil, Geografia e Português, Sylvia explica que, normalmente, as famílias levam os materiais de disciplinas que não existem no exterior e, no retorno, as escolas avaliam os aprendizados nesses componentes.
CONVERSA SÉRIA
Estudar fora, como já dissemos, é o sonho de muitos adolescentes. E poder proporcionar isso aos filhos também é uma grande realização para os pais. Mas algumas questões precisam ser conversadas antes de ir, para que as expectativas não frustrem a realidade. Por isso, Rodrigo, da Escola Canadense de Niterói, sugere alguns questionamento que os pais devem fazer antes de deixar os filhos partirem para um intercâmbio. “Estou preparado para viver este tempo longe do meu filho? Consigo perceber maturidade suficiente nele para ficar longe de problemas? Tenho reservas financeiras para uma viagem de emergência, caso seja necessário? Consegui ter o máximo de informações possíveis sobre a escola e a cidade em que meu filho estará? Qual a rede de apoio que posso contar? Essas são algumas perguntas que os responsáveis devem pensar”, pontua.
Além disso, os pais também devem fazer algumas perguntas aos filhos na hora que decidem sobre o intercâmbio, para que não haja arrependimento depois, já que muitas crianças/adolescentes podem decidir ir por empolgação e não porque realmente querem. “Os pais devem sempre deixar claro para o filho de que essa é uma escolha que tem impactos significativos no desenvolvimento acadêmico e social dos filhos. As perguntas devem girar em torno da segurança da ação. Manter o diálogo aberto sobre questões que até então pareciam sobre controle é fundamental: drogas, sexo e más companhias devem ser rotina”, sugere Rodrigo. “Quando somos pais, queremos sempre ter a certeza que estamos tomando a decisão correta, que deixará nossos filhos realizados. Então, conversem e perguntem abertamente: O que você planeja para o seu futuro? O que estudar no exterior irá te acrescentar? Você saberá se comportar e se organizar sem nós por perto? Você será capaz de cultivar amizades saudáveis e evitar más influências?”, complementa Sylvia.
Mas mesmo com todas as dúvidas sanadas, a gente sabe que a saudade vai apertar de ambos os lados. Clara Moreira, que hoje tem 45 anos, viajou para a Califórnia quando era adolescente e ficou por lá pouco mais de seis meses. Mas depois da empolgação inicial, a saudade apertou. “Era uma época em que não existia internet e, portanto, sem vídeos ou Facetime. Então, falava com meus pais por telefone e trocávamos cartas. Até que quando eu estava já há uns três meses eles foram me visitar. Na época, usaram como pretexto uma viagem para esquiar, mas eu sabia que era para me encontrar. Eles ficaram lá uns quatro dias e foi muito bom.
“Confesso que, embora o intercâmbio fosse um sonho, eu estava com saudade de casa e aquela visita me deu um gás para continuar lá até terminar o curso”, conta.
Hoje, com um filho que vai fazer 15 anos em breve, ela dá força para que ele tenha essa experiência, mas já avisou que vai, sim, visita-lo. “Meus pais pensavam que ficaria irritada com a visita, como se quisessem me vigiar. Então, para evitar que ele ache isso também, já deixei claro com o João que eu vou. Ele ficará um ano fora. E, embora tenha família no Canadá, onde ele escolheu ir, e já exista meios de nós falarmos por vídeo, vou mesmo assim. Ele vai ter que me engolir lá com ele uns dias”, diverte-se.
Para Sylvia, apesar da empolgação com a ida, muitos jovens precisam de apoio para se adaptarem ao novo ambiente em um primeiro momento. Por isso, inclusive, ela sugere aos pais que podem acompanhar, que fiquem na primeira semana no novo país. “Além da visita para matar a saudade quando os filhos já estão lá há algum tempo, acho interessante ir junto, se for possível. Não para ficarem no mesmo local, mas em um hotel, para estarem por perto mesmo sem estar realmente grudado. É muito importante considerar a adaptação social e emocional em programas de intercâmbio, que muitas vezes pode não ocorrer no primeiro momento”, comenta.
Rodrigo lembra, ainda, o que é aconselhável pesquisar antes de qualquer decisão. “É preciso deixar a empolgação de lado por um momento e procurar saber o que cada programa oferece. A escola e o que ela oferece; a equivalência do currículo de lá com a instituição do Brasil; o custo de vida, já que o adolescente certamente terá algum tipo de vida social, além dos gastos básicos; o tipo de residência, pois há várias possibilidades, dentre estas a de se dividir quartos próximos da escola ou estar como convidado em uma casa; os custos de locomoção e formas de locomoção da escola”, orienta.
É preciso, ainda, alerta Rodrigo, verificar as leis do país para compreender que tipo de documentação é necessária levar. “Pode ser emitida uma carteira de estudante internacional (International Student Identity Card) que é aceita na maioria dos países e é bem melhor que andar com o passaporte para cima e para baixo. Sobre o dinheiro que precisará enquanto estiver por lá, é importante abrir uma conta em nome do aluno no país de destino para que possa gerenciar determinada quantia. Existe também o travel Money (um cartão pré-pago recarregável) que é uma opção mais em conta e também o cartão de crédito que só é recomendado em casos emergenciais já que os encargos são altos”, complementa.
“Se possível, é recomendável, inclusive, visitar, conversar com ex-alunos, ler recomendações de publicações especializadas, conhecer os professores e diretores das Instituições que se propõe a receberem alunos e pais de alunos e ex-alunos”, sugere Sylvia.
Mas atenção: antes de fechar qualquer programa de intercâmbio, converse com seu filho para ter a certeza de que realmente essa é a vontade dele – muitos pais sonham que os filhos estudem fora; entretanto, muitas vezes eles não querem ir.