O ano letivo está acabando (para alguns até já acabou) e, para certas famílias, chega a hora de
escolher onde o filho vai estudar no próximo ano. Os motivos para a alteração de instituição de ensino são muitos, desde o fato de a escola ter turmas somente até determinado ano até mudança de cidade, escolha de um novo método de ensino ou dificuldade na adaptação no aluno.
E para ajudar nessa missão, na coluna de hoje vamos conversar com pedagogos e demais profissionais da área de educação para tentar mostrar “o caminho das pedras” para a escolha de onde devemos matricular nossas crianças.
DIFERENTES PERFIS E NECESSIDADES
Assim como, ao longo da vida, determinamos os amigos de acordo com o nosso perfil e escolhas que tenham a ver com a gente, o mesmo acontece – ou deveria acontecer – na relação escola/aluno. Afinal, nem todas as instituições têm o mesmo método de ensino, assim como nem toda criança tem o mesmo temperamento.
Para Marcelo Xavier, Diretor de Ensino da Inspira Rede de Educadores, alguns pontos devem ser observados, de acordo com o perfil de cada criança. Para crianças tímidas, por exemplo, é importante
que a escola desenvolva vários projetos, como aulas de oratória ou teatro, permitindo que essa criança encontre uma forma que melhor a ajude a se expressar e conseguir vencer seus fantasmas. “Mas tão importante quanto as pequenas vitórias que uma criança tímida venha a ter, é saber respeitar o tempo dela, sem forçá-la ou expô-la a uma situação de constrangimento que poderia até mesmo agravar a insegurança que a leva à timidez”, avalia.
Já para as mais agitadas, é importante analisar a amplitude dos espaços físicos e a valorização do esporte dentro das atividades regulares ou extracurriculares, pois essas ajudam a criança a extravasar
uma energia contida que pode estar por trás de sua agitação. “É fundamental, ainda, entender
como a escola lida com essa agitação. As muito repressoras podem vir a estereotipar negativamente uma característica natural que, quando canalizada para o lado certo, pode ganhar contornos positivos”, explica.
Para crianças com altas habilidades (ou superdotadas), Marcelo lembra que, como elas tendem a se desestimular quando não provocadas por desafios, é essencial que os responsáveis verifiquem se a escola promove o espaço necessário para que essas habilidades encontrem os desafios que elas demandam. “Um bom termômetro é saber se a escola valoriza a participação de seus alunos nas olimpíadas do conhecimento nas mais diversas áreas: matemática, ciências, informática, astronomia, história, língua portuguesa, além de tantas outras. Os alunos com altas habilidades costumam se encontrar em algumas dessas olimpíadas e descobrir nelas o combustível para se manterem entusiasmados no processo educacional”, esclarece.
A pedagoga Ana Paula Yazbek, diretora pedagógica do espaço Ekoa, ressalta ainda que cada criança é única, possui habilidades e seu próprio tempo para determinados aspectos do desenvolvimento. “Um primeiro passo interessante pode ser conhecer e escolher uma abordagem pedagógica que possa se adequar à personalidade do filho ou da filha, já que essa compatibilidade pode impactar o interesse, o rendimento e a saúde emocional da criança”, diz.
Por outro lado, embora as famílias tenham suas preferências, muitas vezes é a própria experiência da criança no dia a dia escolar que dirá como está sendo a adaptação. “Converse com os filhos para entender o que estão achando da nova experiência, como estão se sentindo, o que estão achando dos professores, colegas e do ambiente. Pode ser que crianças muito tímidas ou muita agitadas tenham dificuldade de elaborar ou nomear aquilo que estão sentindo. Uma dica é tentar entender como está sendo a vivência da criança por meio de perguntas menos óbvias”, ensina.
Em vez de perguntar “como foi o seu dia na escola” ou “o que você está achando da escola nova”, as famílias podem se conectar com o que os filhos e filhas estão sentindo perguntando “o que te fez sorrir hoje?”, “alguém chorou hoje na escola?”, “você viu alguém fazendo alguma coisa que não foi legal?””
Para Luci Benevento Serricchio, pedagoga e coordenadora do Colégio Marista Anjo da Guarda, todas as crianças devem ser vistas como seres únicos, independentemente de índice intelectual, para receber o que é necessário para seu desenvolvimento. E, por isso, os pais devem dialogar com a escola para colaborarem com o processo educativo de maneira a manter o interesse e desenvolvimento da criança sempre ativo.
Entender e conhecer as preferências e aptidões da criança é muito importante ao selecionar a escola. Afinal, lá é, ou deveria ser, um ambiente multicultural e plural, pronto para estimular diferentes aptidões e habilidades dos mais diferentes indivíduos. “Crianças tímidas podem precisar de um tempo diferenciado para se soltar e interagir com colegas, professores e colaboradores e para isso devem se sentir amparadas e acolhidas. Para as agitadas, é válido entender como a energia e a criatividade da
criança pode ser usada para seu benefício, como esportes, atividades de alta intensidade e de
grande desafio. Vale também utilizar atividades que treinem o foco e a atenção, como robótica,
xadrez, ioga, entre outros”, diz.
Mas ela faz uma ressalva importante: classificar uma escola apenas como tradicional ou construtivista e, em cima disso, escolher onde o filho deve estudar, é algo muito raso. “Há muitas teorias que pautam projetos pedagógicos. E muitas vezes essasespecificações podem mudar em determinado momento ou se complementar, dependendo da atividade, faixa etária ou objetivo a ser alcançado. Por isso digo que escolher uma escola apenas com base na metodologia pode ser raso. O importante é que, se a escola for acolhedora, o aluno terá mais facilidade de se adaptar, seja qual for a metodologia. Além disso,
não é raro também a escola também se adaptar ao aluno”, complementa.
ALÉM DE ENSINAR, ACOLHER
Quando procuramos uma escola para nossos filhos, queremos encontrar um local que, além de
ensinar, acolha nossas crianças, inclusive com suas histórias. Entretanto, não são raros os casos
de colégios que não cumprem esse papel.
Helena*, mãe de Guilherme*, de 11 anos, que tem Trissomia 21, demorou muito a encontrar uma escola que recebesse seu filho – e, mesmo assim, não foi fácil. A lei diz que as escolas devem aceitar um percentual da turma com crianças atípicas. Entretanto, quando marcam entrevistas e sabem que a criança é atípica, ela relata que quase automaticamente encontram desculpas para não aceitar a matrícula.
“Em uma das escolas que fui, que é onde meu filho estuda hoje, como eu conhecia muitas mães, sabia que não existia nenhuma criança nessa condição. Contudo na entrevista, a diretora disse que não havia mais vagas. Foi uma guerra travada para conseguir, já que eu havia pesquisado sobre a escola e, até então, todas as portas estavam abertas. Hoje, ele estuda lá e adora. E o ensino e os profissionais são incríveis. Mas eu não deveria ter que passar pelo que passei para conseguir uma vaga para meu filho. Espero que sejam mais empáticos com outros pais”, conta.
Ela diz que muitas pessoas perguntam o motivo dela ter deixado nessa escola, se tinham
se negado antes. “A questão é que todas as escolas negam inicialmente. Portanto, não é
exatamente uma escolha. No meu caso, como eu tinha pesquisado a escola e gostado, fui até o
fim para aceitarem a matrícula. E hoje meu filho é muito feliz lá. Os profissionais o acolheram,
fez amigos e está feliz”, complementa.
De fato, não é incomum escolas se descreverem como inclusivas e, na hora da matrícula, dizerem que não há vagas (mesmo que os responsáveis saibam, por outras fontes, que a “cota” para atípicos não foi totalmente preenchida). Para Marcelo Xavier, esta prática é deplorável e típica de escolas que não percebem seu papel transformador na sociedade. “Inacreditável que ainda vejamos isso, mas, realmente, não foram poucas vezes que, ao acolher uma família de criança atípica, ouvi de seus pais o quanto foi difícil encontrar uma escola que as recebesse de braços abertos”, avalia.
Na verdade, segundo ele, escolas verdadeiramente inclusivas se empolgam com a ideia de também serem um instrumento de transformação na vida de crianças atípicas. “A inclusão não é importante apenas para as crianças com necessidades especiais, mas também para as demais crianças que aprendem a conviver com as diferenças, crescendo muito como seres humanos. Portanto, mesmo que a instituição não coloque empecilhos à matricula, verifique como é a política da escola com relação ao acolhimento, se preparam planos de ensino individualizados (PEI) e qual é a política da escola com relação à contratação de facilitadoras (caso seja recomendado para o caso de seu filho)”, complementa.
Outro “grupo” que merece atenção é o de crianças que sofreram bullying nas escolas anteriores. Luiza*, mãe de Clara*, de 13 anos, conta que a filha, por estar acima do peso e ser muito tímida, passou por situações bastante ruins nas escolas anteriores – a menina mudou de colégio três vezes nos quatro últimos anos – e que diretores e professores nada faziam para parar o que ela passava com outros alunos.
“Foi um inferno realmente. Minha filha chegava em casa chorando, não tinha amigos, se negava a ir para a escola. As notas não eram baixas, mas não existia alegria. E sabemos como essa fase é importante para uma criança e adolescente. Sempre que eu procurava a direção, diziam que estavam de olho, mas a verdade é que nada era feito. O bullying não é apenas xingamento ou agressividade física. Quando uma criança é colocada de lado, por exemplo, em um trabalho de grupo, é bullying, assim como acontece quando não é chamada para festinhas em que a sala inteira é convidada, menos ela”, conta.
A mãe lembra que, quando procurou no último ano uma nova escola, deixou isso muito claro com a direção na entrevista. “Eles acolheram a mim e minha filha. Hoje, ela está em uma escola onde levantam sempre esse assunto em sala de aula, fazem palestras e encontros, mostram como isso pode ser traumático para alguém. Ela fez amigos, participa de tudo. E isso só foi possível porque a escola realmente cumpriu o que prometeu”, conta.
Qualquer criança que tenha sido vítima de bullying precisa ser acompanhada e acolhida, sem ignorar ou minimizar qualquer tipo de agressão. “Devemos dizer que ela não é responsável por aquela perseguição ou atitude alheia, ressaltando que todos possuem qualidades e valores que precisam ser respeitados. A escola precisa criar um ambiente que valide os sentimentos da criança para que ela se sinta confortável em expressar o que sente, tornando mais fácil identificar situações de bullying. Também é preciso lidar com o agressor e entender quais os motivos levaram a criança àquilo. Para evitar essas situações, o ideal é proporcionar ambientes colaborativos e participativos, que naturalizem as diferenças. Assim, mesmo que a diferença do outro cause estranheza a uma criança, ela não verá aquilo como fora do comum”, exemplifica a diretora pedagógica do espaço Ekoa.
ATENÇÃO AOS DETALHES
Assim como qualquer escolha que fazemos em nossas vidas, devemos pesquisar e saber mais sobre o que estamos querendo. E quando se trata dos filhos, é claro, essa pesquisa é ainda mais minuciosa. Portanto, na hora de optar por essa ou aquela instituição, além do método de ensino, é preciso ficar atento a outros detalhes, aos pontos positivos e negativos (se houver) daquela escola.
Para começar, sugere Marcelo, uma família deve se lembrar, ao escolher a escola de seu filho, que o aprendizado de conteúdos é muito importante, mas não é a única coisa que deve ser levada em consideração, uma vez que os relacionamentos sociais, a capacidade de se expressar, a autonomia e o senso crítico também são itens importantes no desenvolvimento de uma criança. “A mais importante pergunta que os pais devem fazer é qual é a linha pedagógica que mais se aproxima da metodologia da escola, tentando entender como ela funciona na prática e avaliando se é compatível com o que a família acredita ser a melhor para o desenvolvimento de seu filho. Também é importante entender como será a comunicação com a escola, se a estrutura física ajuda na construção do saber e como funciona o processo de avaliação da instituição”, pontua.
Para Yazbek, é essencial conversar com familiares e responsáveis que já matricularam filhos e filhas na escola de interesse. “Pode ser que você não conheça ninguém que estude lá, mas hoje é possível buscar esses contatos por meio de redes sociais. A interação nas redes também pode ser utilizada como termômetro para sentir a abertura para o diálogo, se os comentários são positivos e se existe boa interação entre a comunidade escolar”, diz.
Evidentemente, não se pode deixar levar pelas aparências, por isso, a família pode propor uma conversa pessoalmente a outra já matriculada para trocar experiências, entender melhor os pontos fracos e fortes da instituição. “No entanto, é preciso se ter em mente que uma escola que funciona e é adorada por uma criança não necessariamente funcionará para outra. Na educação, não existe um único caminho nem um caminho “certo” para a aprendizagem. O melhor caminho é aquele que
atende as necessidades daquela criança”, enfatiza. Ela lembra, ainda, que é importante que as famílias priorizem visitas em horários escolares para que haja oportunidade de verificar se o discurso da instituição está alinhado com as dinâmicas e os comportamentos do dia a dia. “Assim, é possível observar a interação entre os professores e demais funcionários com as crianças e entre as próprias crianças entre si”, complementa.
Luci Serricchio explica, ainda, que a escolha deve ser pautada por um conjunto de prioridades decididas pela família. “Uma conjunção de fatores deve ser analisada, como projeto pedagógico, logística e proximidade de casa, valores ensinados e vivenciados pela escola e adequação da criança à instituição. Mas além de tudo isso, antes de matricular o filho, é muito importante conversar com um representante da escola como vai ser, na prática, a experiência e o aprendizado da criança ao longo de sua trajetória naquela instituição”, avalia.
Algumas perguntas essenciais são sobre o acolhimento dos estudantes em cada faixa etária; como é o projeto pedagógico, isto é, se é conteudista, se ensina a pensar, se valoriza as diferenças, se valoriza a
interrelação, entre outros. “Além disso, é importante estar atento para as competências que estão fora dos livros didáticos. Como a escola favorece o protagonismo, autonomia e pensamento crítico dos estudantes? Essas e outras características são fundamentais para o desenvolvimento do estudante durante toda a sua jornada e fazem muita diferença na construção de um projeto de vida para além da sua profissão”, pontua.
Mas não são apenas as perguntas de pais e responsáveis para as instituições que importam. É importante saber também o que os futuros alunos esperam daquela escola. “O primeiro e mais importante passo para que haja uma boa adaptação entre aluno e nova escola é que o aluno faça parte do processo de pesquisa e decisão sobre a sua futura escola. É importante que a criança/adolescente, que já tenha idade suficiente para se expressar, participe das visitas e seja ouvida sobre suas impressões. Ao longo da visita, repare se a coordenadora também se dirige ao seu filho, pois a forma como ela interage poderá te contar muito sobre como a escola se relaciona com seus alunos”, alerta Marcelo.
PARA NÃO ESQUECER DE NADA
Quando precisamos fazer uma escolha tão importante, que vai, inclusive, ajudar a determinar o futuro dos nossos filhos, muitas vezes esquecemos de algumas questões fundamentais. Por isso, a seguir, Gabriela Cardoso, Diretora da amais educação, uma edtech que desenvolve soluções para a educação usando a tecnologia como principal ferramenta, sugere algumas questões que pais (e, dependendo da idade, também filhos) devem levantar com as escolas antes de matricular o filho:
- Qual a proposta pedagógica da escola?
- Quais as certificações de inglês e outros idiomas da escola?
- Participa de olimpíadas?
- Qual são os recursos de tecnologia utilizados em sala de aula?
- Qual a frequência de reuniões com responsáveis?
- Qual o valor da mensalidade e material didático?
- Quais são os projetos de cidadania?
- Quais são os passeios?
- Quais são as atividades extracurriculares? Estão abertos a novas sugestões?
- Qual o propósito da escola?
- De que modo é feita a adaptação de novos alunos?
- Como é a comunicação entre escola-família?
- Como é garantida a segurança dos alunos?
- Se forem crianças que não vão embora da escola sozinhos, há período de tolerância, caso
precisem ficar mais tempo além do período escolar contratado? - Se forem crianças que não saem da escola sozinhas, como é o controle de quem vai
busca-las? - Como é a aprovação no ENEM?
Outras questões que devem ser levantadas em família:
- Entender a proposta pedagógica da escola x expectativa do aluno;
- Analisar o tempo de deslocamento entre a escola e a residência;
- Avaliar a mensalidade x realidade financeira da família;
- Consultar famílias que estão nas escolas e questionar sobre o dia a dia;
- Visitar o espaço físico da escola com foco na idade e perfil do aluno;
- Pontuar prós e contras da instituição e colocar na balança se o aluno entendeu essa
“balança”.