Lorena Comparato tem muito o que comemorar. Além de emendar trabalhos de sucesso como Cine Holliúdy e Rensga Hits, séries da Globoplay, ela se curou de um câncer de pele. E faz questão de alertar a importância do uso do protetor solar: “Durante muitos anos, fui displicente com minha pele, abusei do sol. Decidi expor o caso justamente para servir de alerta. Sol me faz bem, mas aprendi que tudo precisa de parcimônia”.
Consciente e pé no chão, ela aproveita a visibilidade para fazer outras reflexões importantes. “Tenho muita preocupação com as futuras gerações. Tivemos conquistas e as perdemos. Há aspectos de extrema importância que precisam ser levados em consideração, como a fome, a saúde, a crise climática… A cultura leva qualidade de vida e educação à população”. Lorena vai além.
Como espectadora, diz que cenas que assistiu na TV e cinema serviram de espelho e incentivo para se desvencilhar de situações ruins, por exemplo. Muito daquilo que viu e interpretou a ajudou a ter uma grande certeza na vida: “Sou uma agente de transformação da sociedade”. Não à toa, consciente de seu papel, a atriz sempre sai em defesa da mulher: “A única arma que tenho: minha voz! Hoje, falo, denuncio e luto contra as injustiças. Quando a gente se empodera e se une, quebramos a estrutura de uma sociedade machista. Sábia garota!
Confira a entrevista completa!
De que maneira você acredita poder transformar as pessoas através da arte? O poder de influência de tudo o que a gente assiste é gigante.
Quantas vezes me peguei como espectadora falando de certa forma, usando algum estilo de roupa ou repetindo algum hábito que vi numa série ou filme? Muito além disso, os artistas têm uma grande responsabilidade social de entretenimento e também de educação. Sempre disse que queria fazer uma menina grávida em Malhação para falar sobre a importância da prevenção de natalidade entre jovens, e acabei interpretando a Camila, que engravidou de um jovem abusivo. Gosto de fazer o público refletir sobre a vida e a maneira que costuma se posicionar.
A cultura é uma maneira de levar educação para a população?
Com certeza! Cultura é uma das formas mais eficazes de educação e uma das mais usadas como estratégia em muitos países – a longo e curto prazos, ela pode mudar um povo para melhor. Peças de teatro, filmes, séries, livros, exposições e músicas sempre me moldaram. Aprendo sobre mim, os outros e a sociedade. Posso viajar para lugares inimagináveis, sem sair do lugar. Isso não tem preço! Vivemos em um País onde a fome e o analfabetismo reinam. Às vezes, a arte chega onde falta comida na mesa e lápis na mão. O pensamento crítico se torna um alimento necessário para a mente de quem tem mais necessidade. É por isso que incentivo tanto a educação…
Rensga Hits! aborda o machismo. Sente o peso de seu papel nesse trabalho?
A série aborda bastante o machismo, mas também o feminismo que, diferentemente do que muita gente pensa, não é o oposto do machismo, e sim o equilíbrio e a igualdade entre os gêneros. O mundo é tão machista que não basta a palavra ser humanista, e sim feminista, para equilibrar o que está tão injusto para o nosso lado. Minha personagem é uma feminista moderna, que quer ser livre, e não ser controlada ou reprimida por ninguém, muito menos por homem. Ela pode nem ter noção que é feminista, mas, em muitos dos seus atos, ela é. A série também aborda a união das mulheres, a sororidade. Não sei se senti o peso do papel, creio que senti a responsabilidade.
Você também tem a Companhia de Quatro Mulheres, que cria peças para teatro, audiovisual e podcasts. Ao idealizá-la, a intenção era sair do ‘clube do bolinha’ tão presente no setor.Quais avanços você enxerga para as mulheres na área?
Acho que muita coisa mudou. As mulheres têm falado mais abertamente sobre temas que nos assombram há anos. Eles até eram falados, mas, hoje em dia, são mais públicos, e os homens também estão abrindo espaço para ouvir. Antes tarde do que nunca. O movimento feminista, na verdade, é contra o machismo, a falta de direitos femininos, impunidade masculina e diferença de tratamento. Vejo as mulheres mais unidas, se defendendo, se protegendo e lutando para contarmos mais histórias femininas e universais.
Quando falamos em mulheres ‘comuns’, ainda perdura o retrocesso?
Acho que todas somos mulheres ‘comuns’. E todas nós estamos nas mãos da educação. Quanto mais a gente conversar e se informar sobre nossos direitos, melhores nossas vidas serão. Já passei por muita coisa sem ter nenhuma noção de que não precisava daquilo, como relações abusivas e tratamentos tóxicos no trabalho. A única arma que tenho: minha voz! Hoje, falo, denuncio e luto contra as injustiças. Quando a gente se empodera e se une, quebramos a estrutura de uma sociedade machista.
A série Não Foi Minha Culpa aborda o feminicídio e violência contra a mulher. Com o assunto ganhando mais voz na dramaturgia, muitas mulheres acabam percebendo que já passaram por situações de assédio e nem se davam conta. Com você também foi assim?
Sim! Foi assistindo Michaela Coel, na série I May Destroy You, que percebi que já tinha vivido situações de violações sexuais graves. Quando começaram a contar histórias de mulheres feitas por mulheres, a minha identificação só aumentou. Não é uma questão de um homem não saber escrever para uma mulher, mas é sobre a falta de oportunidade e a falta de vivência de muita coisa inimaginável para quem não tem uma consciência minimamente empática. A série foi feita por mulheres como forma de denúncia e acabou alertando várias espectadoras.
Como parar de ‘normalizar’ certos comportamentos invasivos?
Muitas vítimas paralisam e não conseguem reagir. A melhor forma de parar tudo isso é a educação, para que possamos reprimir quem insiste em fazê-lo, para que outras pessoas possam defender quem está sendo oprimida e evitar que certas situações aconteçam. O meu jeito de parar tudo isso é denunciar e seguir me opondo publicamente e diariamente a acontecimentos impróprios. Temos que instaurar uma cultura de medo inversa em que os assediadores e agressores tenham medo das vítimas. Mas, para isso, precisamos que as palavras das vítimas sejam valorizadas. Tem muito trabalho ainda pela frente.
Você se curou de um câncer de pele. Por que decidiu expor o problema nas redes sociais?
Durante muitos anos, fui displicente com minha pele, abusei do sol. Eu pensava que nunca ia acontecer comigo, mas tudo é possível sempre. Fiquei feliz de ter profissionais excelentes ao meu lado que fizeram esse processo difícil parecer mais simples e calmo. O que aconteceu comigo foi um alerta de autocuidado. Decidi expor justamente para servir de alerta. É realmente importante fazer checkups sempre que possível. E usar filtro solar diariamente. Sol me faz bem, mas aprendi que tudo precisa de parcimônia.
Você assumiu ter passado pela ‘crise dos 30’. O que pesou para você nessa fase?
Acho que o amadurecimento começa a vir com tudo depois dos 30 anos… Pelo menos comigo, os véus foram todos retirados do meu olhar a partir daí. Antes, eu tinha uma crença quase infantil de uma possível convivência em um mundo utópico. Que todas as pessoas queriam o bem de todo mundo e que daria para a gente viver em paz. Hoje, penso que a vivência humana é muito mais complexa. Me sinto mais realista, pé no chão, vendo as pessoas mais como elas são do que parecem ser, mas isso não me impede de sonhar, claro. E muito menos de realizar meus sonhos. Vivi muitas decepções, porém quero ser feliz sem ter tanto medo de me machucar, entende? Como diz a música, tenho uma ‘estranha mania de ter fé na vida’.
Você disse ainda sentir uma pressão social muito grande para a mulher engravidar, principalmente depois dos 30 anos. Com você tem sido assim também?
Fico chocada, pois é um tema mais recorrente paras as mulheres do que para os homens. Claro que a biologia fala muito sobre nosso relógio corporal, mas… Na verdade, me sinto uma adulta adolescente. Claro que tenho responsabilidades, sou extremamente profissional, mas existe uma jovialidade que não sai de mim. Talvez até uma imaturidade, que não é ruim, tá [risos]? É apenas uma forma fresca de ver o mundo. Tem dias que acho legal a ideia de ter filhos, tem dias que quem fala mais alto é a deusa me livre e guarde de não ter. Penso no mundo bizarro que vivemos, no meio ambiente, na personalidade da pessoa que vou criar…. Ainda não estou pronta.
Uma expectativa e uma frustração…
Expectativa: trabalhar bastante e ter uma carreira de sucesso internacional. Frustração: pensar que as pessoas prestigiam valores diferentes daqueles em que acredito.