Sabia que políticas do governo podem impactar diretamente na sua felicidade como indivíduo? E não se trata necessariamente de ter afinidade ou não com o governante do país, mas com as medidas tomadas para o bem-estar da população. AnaMaria Digital foi entender melhor essa história com o cientista Gustavo Arns, especialista em felicidade.
Ele explica que existe uma área da psicologia, chamada psicologia positiva, criada no final dos anos 1990 pelo estadunidense Martin Seligman, que procura compreender melhor os sentimentos positivos da vida humana, como a felicidade, o amor, a gratidão, a generosidade, o senso de justiça e o perdão.
Apesar de ser recente, ela se desenvolveu e ganhou mais estudiosos, como o professor israelita Tal Ben-Shahar, que define a felicidade como uma combinação de cinco componentes de “bem-estar” que, quando cuidados, permitem encontrar mais felicidade. São eles:
- Físico
- Emocional
- Intelectual
- Relacional
- Espiritual
Assim, não é apenas o âmbito individual subjetivo que impactará na felicidade de cada um, pois o coletivo também é importante, como explica Gustavo Arns:
“Eu posso estar feliz, mas se minha esposa e minha filha não estiverem bem, isso vai impactar minha felicidade. E minha família é impactada pelos vizinhos, pela sociedade, pelos colegas de trabalho, pelos relacionamentos sociais e familiares. Então, a nossa felicidade individual tem um teto muito baixo. Nós só seremos mais felizes de fato, quando formos capazes de construir uma sociedade mais feliz.”
Mesmo tendo se formado em Direito, o especialista se encantou pela área da psicologia positiva em 2013, quando começou a estudar o tema, que o levou a criar o Congresso Internacional da Felicidade e o Festival da Felicidade, em Curitiba (PR), destinados a disseminar o assunto para o público em geral. Além disso, existe no Brasil uma graduação em Ciência da Felicidade, criada há dois anos, da qual Arns é coordenador. Trata-se de um tecnólogo gratuito e online oferecido pela Unicesumar.
ÁREA RECENTE
Gustavo Arns explica que, apesar de se tratar de uma área recente, a psicologia positiva já mostrou que o Estado precisa prover condições mínimas para que a população possa fazer a construção individual da felicidade. O Relatório Mundial da Felicidade da Organização das Nações Unidas (ONU), criado em 2012, reforçou esta teoria e levou países a adotarem medidas para melhorar o bem-estar da população.
“Os Emirados Árabes criaram, em 2016, um Ministério da Felicidade responsável pelo bem-estar subjetivo da população, com uma cartilha montada para isso. O Reino Unido criou o Ministério da Solidão em 2018, e o primeiro ponto atacado foi o da depressão na 3ª idade, que levava ao suicídio. A iniciativa deu tão certo que, em 2021, o Japão copiou. E a Nova Zelândia criou um orçamento para isso chamado Well-Being Budget (Orçamento do Bem-Estar, em tradução livre)”, exemplifica o especialista.
Logo, todas as áreas do conhecimento começaram a levar em conta esta questão: na arquitetura, buscou-se planejar bairros e cidades levando a felicidade em consideração; na economia, desenvolveu-se a economia do bem-estar.
MAS E NO BRASIL?
Gustavo Arns diz que por aqui não existem políticas públicas centrais organizadas sobre o assunto, mas sim algumas iniciativas bastante “tímidas”. Ele dá como exemplo o projeto de moradia “Minha Casa, Minha Vida”, a Política Nacional de Saúde Mental retomada pelo governo Lula e a reforma na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do MEC de 2017, quando foi incluída a palavra “autoconhecimento” como um dos objetivos da educação.
“A escola deixa de ser única e simplesmente um espaço para o desenvolvimento cognitivo racional mental para olhar também a questão emocional e relacional. Enquanto considerarmos Matemática mais importante do que Artes e Educação Física, estamos favorecendo muito o desenvolvimento de um único aspecto”, opina.
Além disso, ele destaca o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) no país, que já foi reconhecido internacionalmente como um bom exemplo de atendimento amplo e global, com impactos positivos no bem-estar da população brasileira pelo Relatório Global de Políticas de Bem-Estar e Felicidade.
ENTÃO BASTA TER SAÚDE E EDUCAÇÃO?
Saúde e educação são questões fundamentais no bem-estar da população. No entanto, o assunto vai muito além disso, chegando a abordar a segurança pública, o trânsito e o lazer.
“Na pesquisa da ONU, uma das perguntas era: ‘O quão seguro você se sente ao andar nas ruas da sua cidade à noite?’. Dificilmente alguém fala de segurança pública, mas isso tem tudo a ver com a nossa felicidade. Tem gente que muda de país, deixa família, amigos e uma vida confortável para trás simplesmente por conta de segurança”, exemplifica.
Em relação ao trânsito, Gustavo Arns destaca que a maioria das pessoas considera a proximidade entre o trabalho e a escola dos filhos para escolher o local de moradia, deixando em segundo plano os gostos pessoais. Vale destacar que uma pesquisa da Opinion Box mostrou que 51% dos profissionais que trabalham em home office preferem o modelo remoto para evitar gastar horas no trânsito – fator que pode diminuir o bem-estar.
Por fim, o especialista destaca a necessidade da criação de áreas verdes e espaços de lazer para contribuir com a felicidade populacional:
“O desenvolvimento cultural tem um impacto muito significativo na nossa saúde mental. Só que o acesso à cultura acaba limitando as escolhas da população. Tem cidades de médio porte pelo Brasil que não tem cinema, teatro e museu. Ou as pessoas não conseguem reconhecer valores culturais que podem se manifestar de outras formas, porque a nossa educação cultural de base é quase inexistente”.
Segundo Arns, nós temos escolhas na construção de bem-estar, mas que estão restritas por um enquadramento social. “Portanto, o indivíduo não pode ser totalmente responsável pela sua infelicidade. É preciso olhar com bastante cuidado para o papel do governo, porque não é obrigação dele fazer a sua população feliz, mas, certamente, a felicidade coletiva deveria ser uma meta”, conclui.