O futuro da saúde das crianças brasileiras está em jogo, conforme o que foi revelado pelo recém-lançado Atlas Mundial da Obesidade de 2024. De acordo com o relatório, até 2035, é previsto que cerca de 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos no Brasil estejam enfrentando obesidade ou sobrepeso. Essa alarmante projeção destaca a urgência de medidas eficazes para combater a crescente epidemia de obesidade infantil no país.
Fatores como urbanização, mudanças nos padrões alimentares, sedentarismo e acesso limitado a alimentos saudáveis contribuem para esse cenário preocupante. “A obesidade infantil no Brasil é uma preocupação crescente, refletindo as tendências globais. Estudos mostram que a prevalência tem aumentado nas últimas décadas, sendo agora considerada uma epidemia de saúde pública”, diz Vinicius Vieira Paschoal, endocrinologista, que é especialista em emagrecimento e obesidade de adultos e crianças.
O crescimento da obesidade infantil, é claro, tem preocupado toda a sociedade médica. “Infelizmente, as taxas de obesidade na infância e adolescência no Brasil aumentaram muito nos últimos anos. O número de crianças com excesso de peso subiu 6% na pandemia, e entre os adolescentes a taxa subiu 17% no mesmo período”, pontua a pediatra Jacqueline Santim.
E para entender o tipo de comprometimento que a obesidade pode causar na vida dos nossos filhos no futuro e agir a partir de agora, na coluna dessa semana, vamos falar sobre medidas que os pais podem começar a adotar com as crianças que estão acima do peso, antes que doenças associadas à obesidade se instalem.
INFORMAÇÃO É O MELHOR TRATAMENTO
Quem é mãe e pai sabe como é difícil mudar os hábitos dos filhos. Seja em relação aos alimentos normalmente ingeridos ou sobre mudanças na rotina de atividades diárias, é fato que não será fácil. Mas é preciso. Afinal, não são poucos os males associados ao excesso de peso das crianças – a obesidade infantil está associada a uma série de doenças, incluindo diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia, esteatose hepática, síndrome metabólica e problemas ortopédicos. “Entre essas, as mais preocupantes são a diabetes tipo 2 e a síndrome metabólica, devido às suas consequências a longo prazo para a saúde”, alerta Vinicius. Jacqueline alerta, ainda, sobre a obesidade com resistência insulínica, hipercolesterolemia e doenças cardiovasculares.
Embora, quando adultos, associemos a diabetes à dietas bastante restritivas, essa não é a melhor indicação para as crianças. “Dietas muito restritivas não são recomendadas para crianças, pois podem afetar negativamente o crescimento, o desenvolvimento e a saúde geral. É preferível adotar abordagens equilibradas que promovam hábitos alimentares saudáveis e atividade física regular”, sugere Vinicius, e continua: “Não há um horário específico para se alimentar que seja melhor para a perda de peso, mas é importante manter horários regulares para as refeições e evitar comer muito tarde à noite, o que pode afetar a qualidade do sono e o metabolismo”.
Outra regra de ouro é manter uma rotina de exercícios. “Além de brincadeiras ativas, como andar de bicicleta, jogos com bola, jogos de perseguir e escaladas no playground, é muito benéfica a atividade física aeróbica estruturada regular, como natação, dança, lutas, futebol etc”, pontua Jacqueline. Além disso, é importante incluir atividades que fortaleçam os músculos e ossos, como flexões, abdominais e exercícios de equilíbrio. A pediatra explica, ainda, que estudos mostram que atividades aeróbicas seriam melhores no período da manhã e treinos de força seriam melhores no final do dia. “Porém, acredito que esta não deva ser nossa principal preocupação. O melhor horário é o que a criança tem disponível para fazer, com constância”, complementa.
DIRETO AO PONTO
Uma vez que os filhos estejam acima do peso, uma série de questionamentos aparecem em nossas cabeças: por que ele desenvolveu a doença? O que posso fazer agora? Quais medicamentos terá que tomar? Tem volta?
Por isso, a seguir, reunimos as dúvidas mais frequentes sobre o assunto, para que você possa começar as mudanças necessárias na vida do seu filho a fim de um futuro melhor.
AVENTURAS MATERNAS – Uma criança obesa necessariamente será um adulto obeso?
Vinicius Vieira Paschoal – Embora a obesidade infantil aumente significativamente o risco de obesidade na idade adulta, não é uma garantia absoluta. Intervenções precoces, incluindo mudanças no estilo de vida e acompanhamento médico adequado, podem ajudar a reverter ou prevenir o desenvolvimento da obesidade na idade adulta.
Jacqueline Santim – Estudos recentes mostram que crianças acima do peso tem 75% mais chance de serem adolescentes obesos e 89% dos adolescentes obesos podem se tornar adultos obesos.
AVENTURAS MATERNAS – A diabetes tem sido uma realidade para crianças. Uma vez considerada diabética, há “volta”?
Vinicius Vieira Paschoal – Uma vez diagnosticada com diabetes, a condição requer um manejo cuidadoso ao longo da vida. Embora seja possível controlar a diabetes através de dieta, exercício e medicação, é importante entender que ela geralmente não tem cura definitiva.
Jacqueline Santim – O emagrecimento por si só reduz a inflamação crônica e aumenta a sensibilidade das células à insulina, conseguindo reverter muitos quadros de diabetes tipos 2.
AVENTURAS MATERNAS – Quais os programas do governo podem ser usados por pais para melhorar o quadro de crianças obesas?
Vinicius Vieira Paschoal – O governo oferece programas de saúde e educação alimentar, como o Programa Saúde na Escola (PSE) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que podem ser utilizados pelos pais para melhorar o quadro de crianças obesas, promovendo hábitos alimentares saudáveis e atividade física.
Jacqueline Santim – Além das consultas de rotina pediátrica no posto de saúde, onde a família receberá informações e recomendações médicas sobre a obesidade, o Ministério da Saúde colabora com três guias de acesso livre para ajudar: Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos, Guia Alimentar para a População Brasileira e Guia de Atividade Física para a População Brasileira.
AVENTURAS MATERNAS – Pais obesos, crianças obesas?
Vinicius Vieira Paschoal – Existe uma associação entre obesidade parental e obesidade infantil, sugerindo uma influência significativa dos hábitos familiares e do ambiente doméstico na saúde das crianças. No entanto, outros fatores genéticos e ambientais também desempenham um papel importante.
Jacqueline Santim – Se um dos pais é obeso, o filho tem 40% de chances de ter excesso de peso, e se ambos os pais estão acima do peso o risco aumenta para 80%. Existem fatores genéticos que levam à obesidade e que podem ser passados para os filhos, além do ambiente familiar muitas vezes propiciar com maior consumo de alimentos ultraprocessados e frequentemente não estimular atividade física regular
AVENTURAS MATERNAS – Quando remédios são indicados? Em quais situações normalmente há a necessidade de usar medicações para emagrecer?
Vinicius Vieira Paschoal – O uso de medicamentos para emagrecer em crianças é geralmente reservado para casos graves de obesidade, quando outras medidas não estão sendo eficazes e há um risco significativo para a saúde. É importante que esses medicamentos sejam prescritos por um médico especializado e acompanhados de mudanças no estilo de vida.
Jacqueline Santim – Quando o pediatra se depara com dificuldades no emagrecimento do paciente após tentativa de reeducação alimentar e atividade física regular é interessante encaminhar ao especialista endocrinologista pediátrico, que fará a indicação correta de medicamentos se for necessário.
Mas, afinal, quais mudanças podem ser feitas no dia a dia das crianças para afastar o risco da obesidade? Abaixo, algumas dicas dos especialistas:
– Incentivar a prática regular de atividades físicas, como brincadeiras ao ar livre e esportes;
– Estabelecer horários regulares para as refeições e evitar alimentos ultraprocessados;
– Priorizar o consumo de frutas, verduras e legumes;
– Limitar o tempo de tela, incluindo televisão, computador e dispositivos móveis;
– Promover hábitos de sono saudáveis, com horários regulares e ambiente propício para o descanso;
– Envolver a família em atividades físicas e escolhas alimentares saudáveis;
– Oferecer opções de lanches saudáveis e evitar alimentos ricos em açúcar e gordura;
– Incentivar a ingestão de água como principal bebida;
– Evitar recompensar ou consolar com comida;
– Buscar apoio profissional, como de um nutricionista ou psicólogo, quando necessário;
– Não misture achocolatados no leite da criança que toma leite puro, reduza a quantidade para as crianças já habituadas e experimente substituir por cacau aos poucos;- Evite sucos, mesmo os naturais. Muito melhor consumir a fruta in natura com toda sua fibra;- Sentem-se a mesa pra as refeições e façam ao menos uma refeição em família ao dia;- Não ofereça telas no momento das refeições. Elas nos desconectam dos sentidos de fome e saciedade;- Não force um bebê a comer mais, respeite a fome e a saciedade desde pequeno;- Converse com a coordenação e a nutricionista da escola sobre não oferecer alimentos ultraprocessados nas refeições e cantina.