Para muitas pessoas, entrar no curso de Medicina representa a realização de um sonho. No entanto, para centenas de estudantes de Medicina que ingressaram em faculdades privadas com ajuda do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), esse sonho tem se transformado em angústia. Eles relatam dificuldades para arcar com a coparticipação das mensalidades, dívidas impagáveis e a possibilidade real de precisar trancar ou até desistir do curso.
É o caso da pernambucana Valdenice Ayane dos Santos Lima, de 32 anos. “O que era um sonho se tornou um pesadelo”, desabafa. Com cinco boletos em aberto, ela precisou vender os próprios móveis para tentar manter a vaga na universidade. “Eu só quero me formar para ajudar minha família. Nos deixem estudar”, implora.
Coparticipação do Fies pesa no bolso dos estudantes de Medicina
Embora o Fies ofereça um empréstimo estudantil que cobre parte da mensalidade, o valor restante precisa ser pago todo mês pelos alunos. E é justamente essa coparticipação que tem se tornado inviável.
A goiana Eduarda Cristina Gonçalves Cardoso, de 22 anos, exemplifica o desafio. Seu boleto mensal passou de R$ 1.500 para R$ 2.300 em apenas um semestre. “Se a gente não paga, não consegue renovar o contrato com o Fundo de Financiamento Estudantil, e isso significa perder a matrícula”, explica. Para tentar dar conta das despesas, ela passou a trabalhar após os estudos. “Ia para a faculdade às 5h20 e, depois das aulas, pegava o trem para trabalhar”, conta.
Inadimplência e evasão crescem entre beneficiários do Fundo de Financiamento Estudantil
A situação vivida por Eduarda se repete por todo o país. Segundo o diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), André Carvalho, a evasão entre os beneficiários do programa chega a 80%. “A inadimplência beira os 60%. O aluno que desiste sem diploma não consegue pagar a dívida, e o Fies perde sua função social”, destacou em audiência pública na Câmara dos Deputados, realizada em 8 de julho.
Segundo o Ministério da Educação, o programa acumula cerca de R$ 116 bilhões em dívidas, e muitos alunos acabam abandonando o curso por não conseguirem pagar nem a parte que lhes cabe mensalmente.
Movimento Fies Sem Teto reúne estudantes de Medicina em busca de solução
Diante desse cenário, aproximadamente 9 mil estudantes de Medicina se organizaram no movimento “Fies Sem Teto”, com o objetivo de pressionar o governo por mudanças. Eles pedem a revisão do teto de R$ 60 mil por semestre para cursos de Medicina, valor que, segundo os alunos, está defasado frente aos custos atuais das universidades privadas.
João Victor da Silva, estudante e presidente do movimento, afirma que precisou trancar o curso por seis meses para trabalhar e pagar dívidas. Agora, mesmo vendendo marmitas e com ajuda da família, teme abandonar de vez a graduação. “Se o teto não aumentar, não conseguiremos continuar. E vamos ficar endividados, sem formação”, alerta.
MEC promete analisar revisão do teto do Fies
Em nota enviada à Gazeta do Povo, o MEC informou que o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil está avaliando a possibilidade de revisar o teto atual. A pasta defende que o valor busca equilibrar o acesso ao ensino superior com a sustentabilidade do fundo e evitar o superendividamento dos estudantes.
No entanto, alunos como Ana Carolina Ferreira Cortes, de 23 anos, não conseguem mais esperar. “Meu boleto era R$ 425, agora está quase R$ 900. Já tive que parar uma vez por falta de dinheiro. Não quero passar por isso de novo”, lamenta a jovem baiana, que mora com a avó aposentada e sonha em se tornar médica desde a infância.
Resumo: Estudantes de Medicina que utilizam o Fies enfrentam dificuldades para arcar com os custos da coparticipação e relatam risco de evasão por causa de dívidas impagáveis. O MEC promete reavaliar o teto de financiamento, mas os alunos alertam que a mudança precisa acontecer com urgência para que o sonho de se formar não vire um fardo.
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