O tratamento contra o câncer, feito majoritariamente com quimioterapia e radioterapia, é geralmente associado à queda de cabelo, perda de peso e outras reações adversas do organismo. Porém, há também os efeitos colaterais que são poucos falados, como as alterações no paladar.
Rei Charles III, que teve o diagnóstico de câncer oficializado em fevereiro, falou sobre a reação à quimioterapia. Há poucos dias, o monarca britânico, que está em tratamento contra a doença, afirmou ter perdido o paladar. Esta foi uma das únicas vezes que o veterano falou sobre o caso.
Outra alteração no paladar também foi sentida por Fabiana Justus, de 37 anos. A filha de Roberto Justus, que foi diagnosticada com Leucemia Mieloide Aguda, relatou que tem sentido um gosto “metálico” na boca após o tratamento com quimioterapia.
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Outros efeitos colaterais ocultos
Na última década, houve um aumento de 20% na incidência de câncer. O Instituto Nacional de Câncer, o INCA, estima mais 700 mil novos casos anualmente no Brasil, até 2025. A doença e seus tratamentos afetam os milhões de pacientes de diferentes maneiras.
Por isso, seus efeitos colaterais são variados. De modo abrangente, há alguns que ocorrem com mais frequência: perda de cabelo, fadiga, perda do apetite – consequentemente, perda de peso, alterações de humor, náuseas, vômitos.
Porém, estes não são os únicos! Em entrevista à AnaMaria, o oncologista Pedro Moraes, do CEJAM – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”, contou como o tratamento contra o câncer também pode afetar outros sentidos do corpo.
- Olfato: a quimioterapia e a radioterapia podem alterar o sentido do olfato, o que pode, por sua vez, afetar o paladar;
- Tato: neuropatia periférica causada por certos quimioterápicos pode afetar o tato. Toxicidade muito comum com uso de paclitaxel, Docetaxel, oxaliplatina e cisplatina;
- Visão e audição: alguns tratamentos oncológicos podem causar alterações na visão e audição.
De acordo com o especialista, outros efeitos colaterais também podem ser notados pelos pacientes:
- Neuropatia periférica: dormência e formigamento nas extremidades;
- Problemas dentários e gengivais: incluem infecções e gengivite;
- Cardiotoxicidade: danos ao coração, especialmente com certos quimioterápicos;
- Disfunção cognitiva: às vezes chamada de “chemobrain”, pode incluir problemas de memória e concentração;
- Alterações na pele e unhas: secura, erupções cutâneas e descoloração das unhas. Esse ressecamento pode acometer pele e mucosas, como boca, ânus e vagina.
“Compreender e manejar esses efeitos colaterais é crucial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes durante e após o tratamento oncológico”, acrescenta Pedro.
Ação dos efeitos colaterais
De maneira geral, grande parte dos efeitos colaterais tendem a cessar com o fim do tratamento – seja ele quimioterápico ou radioterápico. Outros, podem demorar meses ou até mesmo anos, como é o caso das alterações nos órgãos reprodutivos.
No caso das alterações no paladar, pode levar de algumas semanas a vários meses após a conclusão da quimioterapia ou radioterapia, segundo o especialista. Em alguns pacientes, pode demorar mais ou ocorrer uma recuperação incompleta.
Vale ressaltar, novamente, que todos os efeitos citados variam de caso para caso. Há pacientes que manifestam poucos efeitos colaterais, enquanto outros, mais sinais. Ao mesmo tempo, há também aqueles que não apresentam nenhum.
De qualquer forma, é importante seguir a orientação médica sobre o tratamento contra o câncer e seus efeitos colaterais: “A toxicidade precisa ser avaliada com o médico para entender se o tratamento deve prosseguir ou ser modificado. Ocasionalmente, ajustamos o tratamento para que o paciente tenha o menor impacto possível em sua qualidade de vida”, explica o oncologista.
De volta às alterações no paladar
A disgeusia, termo médico utilizado para descrever qualquer diminuição ou alteração do paladar, é frequentemente causada por tratamentos oncológicos. As terapias em questão podem danificar as células gustativas na língua ou interferir com os nervos responsáveis pelo paladar.
Na quimioterapia, agentes quimioterápicos como as platinas (oxaliplatina, cisplatina, carboplatina), são responsáveis pela alteração. Na radioterapia, as papilas gustativas e as glândulas salivares são afetadas, especialmente quando o tratamento é direcionado à cabeça e ao pescoço.
Além do mais, medicamentos e infecções e inflamações – comuns em pacientes com câncer devido à imunossupressão, também causam a alteração no paladar: “Estudos indicam que uma alta porcentagem de pacientes em quimioterapia ou radioterapia experimentam algum grau de disgeusia”, diz Moraes.
Alguns alimentos em especial são mais propensos a essas alterações. A carne vermelha é muito associada ao ‘gosto metálico’, como é o caso de Fabiana Justus. Outros ricos em proteínas, café e chá, que podem ter sabor alterado ou intensificado negativamente, e até a água, também são afetados.
Por outro lado, é possível estimular o paladar para voltar à normalidade. Segundo o oncologista, algumas estratégias podem ajudar a reduzir as alterações gustativas:
- Higiene oral: uma boa higiene oral é fundamental. Escovar os dentes antes e depois das refeições pode ajudar.
- Uso de utensílios de plástico: utensílios metálicos podem intensificar o gosto metálico; os de plástico podem ser uma alternativa;
- Realçar sabores: usar temperos, ervas e marinadas pode ajudar a tornar os alimentos mais palatáveis;
- Pequenas refeições frequentes: comer pequenas porções de alimentos várias vezes ao dia pode ser mais tolerável;
- Dentista: consultar um dentista especializado em pacientes oncológicos pode ser benéfico. Eles podem fornecer cuidados específicos para minimizar os efeitos dos tratamentos.