Falar sobre maternidade é mergulhar em um universo de descobertas, desafios e muitas dúvidas. Mas quando essa jornada acontece fora do padrão — no território das crianças neurodivergentes — os caminhos se tornam ainda mais complexos – a colunista aqui do outro lado da tela, inclusive, sabe bem disso. Afinal, sou mãe de duas crianças superdotadas e aprendi, na prática, que lidar com o extraordinário exige mais do que amor e dedicação: exige preparo, escuta, paciência e, muitas vezes, reinvenção diária.
Mãe de três meninos superdotados, a médica endocrinologista Jacy Alves conta que, ao contrário do que muitos imaginam, a superdotação não significa uma vida mais fácil; pelo contrário, exige atenção redobrada, adaptações na educação, novas abordagens no dia a dia e muito diálogo familiar. “Ter um filho superdotado já traz necessidades específicas, agora imagine isso multiplicado por três. Mas tudo vale muito a pena no final, é uma alegria imensa poder ver seus filhos superando as situações e desenvolvendo as suas habilidades”, diz. Miguel, de 6 anos, por exemplo, começou a falar com 7 meses e, antes dos 6 anos, já havia escrito um livrinho. Tanto ele quanto Gael, de 5, são membros da Mensa, a sociedade internacional que reconhece pessoas com alto QI. Além disso, Gabriel, com 8 anos, também tem dupla excepcionalidade, pois além de ser superdotado, é autista de nível 1 (antigamente denominada Síndrome de Asperger). “É preciso dar uma atenção maior quando se tem um superdotado na família, o cérebro deles funciona em ritmos diferentes e é necessário um método de ensino adaptado”, pontua Jacy.
Para Jacy , a maternidade é um exercício diário de equilíbrio emocional, pois uma das maiores características deles é a intensidade emocional e a sobre-excitabilidade, onde há uma reação mais intensa e sensível a estímulos, que pode se manifestar em diferentes áreas. Entre o desejo de potencializar habilidades e a preocupação com o bem-estar psicológico dos filhos, ela ressalta a importância do diálogo, da adaptação constante e do suporte mútuo familiar.
E para celebrar o Dia das Mães, na coluna de hoje, vamos falar um pouco mais sobre essa rotina diferente das mães atípicas.
Um maternar “diferente”
Se a maternidade, por si só, já é uma grande desafio, para mães atípicas é ainda mais complicado. Afinal, o acúmulo de dúvidas, somado à falta de suporte adequado, gera uma carga emocional imensa para as mães.
As mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), por exemplo, enfrentam desafios diários que vão além do cuidado físico. A neuropsicóloga Bárbara Calmeto, diretora do Autonomia Instituto, destaca que, além das dificuldades práticas, as incertezas sobre o comportamento dos filhos e a falta de conhecimento inicial geram uma sobrecarga emocional significativa. “As dúvidas são parte dessa sobrecarga e a informação é a chave para trazer mais tranquilidade para essas mães”, pontua.
O primeiro desafio é compreender o Autismo. Muitas mães começam a enfrentar a sobrecarga emocional já no processo de tentar entender o que se passa com seus filhos. E a ansiedade, a frustração e as dúvidas frequentes sobre o comportamento da criança são parte desse fardo. “Essas mães frequentemente não sabem como interpretar os sinais de seus filhos e isso aumenta a pressão,” explica Calmeto. A falta de entendimento sobre essas características cria um ciclo de dúvidas, que impacta o emocional das mães. Nesse sentido, a informação sobre o autismo — tanto em casa quanto em ambientes como a escola — torna-se fundamental para aliviar essa carga. “Informar-se sobre o comportamento do filho é o primeiro passo para o alívio emocional. Quando as mães entendem os processos, conseguem desenvolver estratégias e ferramentas para lidar com as situações de forma mais tranquila,” destaca Calmeto.
Além do TEA, outra condição que impõe muitos desafios é a Síndrome de Down, especialmente nos primeiros anos. Renata Dourado, mãe de Gabriel, de 12 anos, não sabia que o filho tinha Trissomia 21 antes do nascimento – nenhum exame durante a gestação levantou a hipótese. “Eu descobri depois que nasceu e foi bastante difícil. Nunca tinha lido nada sobre o assunto. Então, eu comecei a estudar muito, pois eu sabia que seria desafiador. Fui orientada, ainda na maternidade, a procurar terapias diversas e um cardiologista. Imagine o que é para uma mãe solo, que sonhou a vida toda com aquele momento, pegar o seu bebê e ir na primeira semana a um cardiologista? Então, já nos primeiros dias de vida, ele começou fono, fisio e tudo mais que me indicaram. Ele tinha, por exemplo, uma alergia severa à leite, que demorei muito para encontrar o alimento correto que pudesse substituir essa proteína. Fora os episódios de engasgo e outras situações. Eu nunca tive medo ou congelei diante dos desafios, mas estudei muito, e ainda estudo, sobre a T21. Hoje, ele é um adolescente saudável, que faz aulas de surf, estuda em escola regular, tem amigos, vida social. Como qualquer menino de sua idade, já pensa em namorar e adora viajar, internet etc”, conta.
Bárbara explica que, no caso da Síndrome de Down, os maiores desafios são XXXXXXX
Direto ao ponto
A seguir, Bárbara Calmeto fala um pouco mais sobre a maternidade atípica.
Aventuras Maternas – Quais comportamentos incomuns em crianças com TEA as mães têm maior dificuldade de entendimento?
Bárbara Calmeto – Questões como a dificuldade em manter contato visual ou a sensibilidade a estímulos externos são comuns, mas muitas mães não compreendem que esses comportamentos podem fazer parte do espectro autista. Crianças no espectro podem ter dificuldades em manter o contato visual. Não é uma falta de interesse, mas um desconforto gerado por uma resposta cerebral distinta. Da mesma forma, ambientes festivos com luzes e sons podem ser excessivamente estimulantes para crianças autistas, e a reação de evitar esses locais também se torna uma fonte de preocupação. A sensibilidade sensorial é algo muito presente, e a criança pode se sentir sobrecarregada em ambientes com muitos estímulos, o que acaba gerando também uma sobrecarga para as mães que não sabem como lidar com isso.
Aventuras Maternas – Diante de uma realidade extremamente desafiadora, muitas mulheres acabam focando apenas no cuidado com os filhos. Como buscar o equilíbrio e tornar essa rotina menos “pesada”?
Bárbara Calmeto – As mães atípicas precisam lidar com os cuidados do dia a dia, buscar tratamentos, batalhar pela inclusão dos filhos, e ainda administrar suas próprias emoções. Isso pode levar à síndrome de burnout parental, um estado de esgotamento físico e mental que é extremamente comum entre as mães atípicas. E por isso afirmo sempre que essas mulheres precisam olhar pra si também. O autocuidado, por mais difícil que pareça, é essencial para mães atípicas. Muitas vezes, essas mães colocam as necessidades dos filhos acima das suas, mas elas também precisam de suporte para conseguir continuar oferecendo o melhor para a criança. Além do acompanhamento psicológico, é fundamental que essas mães tenham acesso a redes de apoio. Trocar experiências com outras mães que vivenciam os mesmos desafios traz acolhimento e alívio. Os grupos de apoio são um espaço seguro onde elas podem compartilhar suas angústias e encontrar força para seguir em frente. É preciso, ainda, que as mães (e suas famílias, é claro) busquem um ambiente educacional e social bem informado, que possa contribuir para o desenvolvimento da criança e também para o bem-estar das mães. Uma escola inclusiva e uma rede de suporte bem estruturada trazem não só benefícios diretos para a criança, mas também ajudam a aliviar a pressão sobre as mães.