A economia solidária no Brasil tem se destacado como uma alternativa transformadora para comunidades que enfrentam desafios econômicos e sociais. Fundamentada na cooperação, na autogestão e na valorização do trabalho coletivo, essa forma de organização econômica propõe uma ruptura com os modelos tradicionais baseados no lucro e na competitividade. Nos últimos anos, tem sido também uma ferramenta de resistência diante das desigualdades estruturais, ganhando força em territórios periféricos e rurais. Entretanto, apesar do seu potencial social e econômico, a economia solidária no Brasil enfrenta um obstáculo relevante: a dependência tecnológica. A falta de acesso a tecnologias apropriadas e à internet limita a autonomia de empreendimentos solidários, prejudicando sua capacidade de gestão, comercialização e comunicação. Esse artigo explora como iniciativas como a Rede Mulheres do Maranhão (RMM) estão superando essas barreiras e quais são os caminhos para um futuro mais autônomo e digitalmente soberano para a economia solidária no país.
O que é economia solidária e por que ela é tão relevante no Brasil?
A economia solidária é um modelo baseado na cooperação, na autogestão e na valorização da coletividade, em contraste com o sistema capitalista tradicional. No Brasil, ela tem ganhado espaço como uma estratégia de inclusão socioeconômica, principalmente entre populações historicamente marginalizadas. Esse modelo se mostra essencial em um país marcado por desigualdades regionais, desemprego estrutural e informalidade. Ao promover o protagonismo dos trabalhadores e estimular redes de colaboração, a economia solidária fortalece o tecido social e oferece uma alternativa sustentável de desenvolvimento local.
Quais os principais desafios tecnológicos enfrentados pela economia solidária?
Embora promissora, a economia solidária encontra grandes obstáculos, sobretudo no campo da tecnologia. A maioria dos empreendimentos populares não possui infraestrutura tecnológica mínima — como computadores, acesso à internet ou softwares adequados para gestão. Além disso, muitos participantes têm baixo letramento digital, o que limita o uso eficiente das ferramentas existentes. Essa situação aumenta a dependência de plataformas de grandes corporações e dificulta a criação de soluções personalizadas, seguras e éticas, adaptadas à realidade dos territórios.
Como a Rede Mulheres do Maranhão superou a exclusão digital?
A Rede Mulheres do Maranhão (RMM) é um exemplo inspirador de superação da dependência tecnológica. Com mais de 200 integrantes em 16 empreendimentos, a RMM atua em áreas como a produção de doces, artesanato e o beneficiamento do coco babaçu. A necessidade de vender produtos dentro dos vagões da Estrada de Ferro Carajás motivou a criação de uma solução inovadora: um aplicativo offline para gestão de estoque, vendas e relatórios. Desenvolvido pelo Núcleo de Tecnologia do MTST, o sistema funciona mesmo sem internet, atendendo às condições específicas da realidade local. Isso demonstra como a tecnologia pode — e deve — ser pensada a partir das necessidades reais das comunidades.
Qual é o papel das tecnologias livres e populares nesse processo?
As tecnologias livres são fundamentais para a autonomia da economia solidária. Por serem baseadas em software livre, elas permitem que os próprios usuários possam adaptar, modificar e compartilhar as ferramentas, promovendo uma verdadeira apropriação tecnológica. Organizações como a cooperativa Eita têm sido protagonistas nesse campo, desenvolvendo soluções digitais que seguem os princípios da educação popular e da economia colaborativa. Esse tipo de tecnologia valoriza o conhecimento local e rompe com a lógica de dependência das grandes corporações tecnológicas, estimulando a criação de redes autônomas de inovação.
Quais iniciativas públicas têm apoiado a tecnologia na economia solidária?
Embora o setor público nem sempre ofereça o suporte necessário, algumas iniciativas têm contribuído para aproximar a economia solidária da tecnologia. Um exemplo é o Programa Nacional de Apoio às Incubadoras de Cooperativas (Proninc), que promove a formação de profissionais para atuar em empreendimentos solidários. Além disso, parcerias entre universidades, fundações e movimentos sociais — como o livro “Economia Solidária Digital”, publicado com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e do Laboratório DigiLabour — ajudam a refletir sobre caminhos possíveis para reduzir a dependência digital e estimular políticas públicas voltadas ao desenvolvimento tecnológico comunitário.
Qual o futuro da economia solidária no contexto digital brasileiro?
O futuro da economia solidária no Brasil está intimamente ligado à sua capacidade de se apropriar da tecnologia de forma crítica e autônoma. Isso não significa simplesmente digitalizar processos, mas desenvolver tecnologias que respeitem os princípios da coletividade, da horizontalidade e da soberania informacional. Com o avanço da digitalização em todas as esferas da vida, a economia solidária precisa continuar investindo em formação técnica, desenvolvimento de soluções próprias e fortalecimento de redes de colaboração. A experiência da RMM mostra que, mesmo com poucos recursos, é possível inovar e construir um modelo alternativo de desenvolvimento que una tradição, solidariedade e tecnologia.
Caminhos possíveis para uma economia solidária tecnologicamente soberana
A superação da dependência tecnológica na economia solidária passa por algumas ações estratégicas que podem ser replicadas em diferentes contextos:
- Investimento em educação digital popular: formação de jovens e adultos para uso crítico e criativo da tecnologia
- Fomento à produção de software livre: incentivo a soluções adaptadas às realidades locais
- Criação de redes colaborativas de inovação: articulação entre cooperativas, universidades e movimentos sociais
- Políticas públicas específicas: linhas de financiamento e apoio técnico para empreendimentos solidários
- Incentivo à pesquisa comunitária: universidades e centros de pesquisa voltados às demandas do território
Essas estratégias ajudam a consolidar uma economia digital que seja, de fato, inclusiva e participativa.
Um futuro construído com autonomia, cooperação e inovação
A experiência brasileira mostra que, mesmo diante de inúmeras limitações, é possível construir alternativas sustentáveis e inclusivas por meio da economia solidária. A história da Rede Mulheres do Maranhão é prova de que a criatividade, a organização coletiva e o apoio de iniciativas solidárias podem gerar soluções tecnológicas potentes, acessíveis e transformadoras. Ao investir em tecnologias livres e educação digital, o Brasil tem a oportunidade de fortalecer um modelo econômico baseado em justiça social, autonomia e colaboração. Mais do que sobreviver em um mundo digital, a economia solidária pode liderar um novo paradigma — onde o progresso não está à venda, mas é construído em conjunto, com dignidade e propósito.