Os jogos de azar, uma prática comum e que tem se tornado cada vez mais popular e acessível na internet, podem se transformar em um vício perigoso para algumas pessoas. O jogo patológico, ou ludomania, é um transtorno que vai além do entretenimento, levando o indivíduo a comportamentos compulsivos e descontrolados, que podem resultar em sérias consequências financeiras, emocionais e sociais.
É importante identificar os sinais precoces dessa compulsão em jogos de azar, como a necessidade de apostas maiores, mentiras para encobrir a frequência dos jogos e fracassos repetidos em tentar parar. Para entender quando o prazer de jogar se transforma em um problema patológico e saber como funciona o tratamento adequado para recuperar o controle sobre a vida, AnaMaria conversou com o psiquiatra Henrique Bottura, presidente do Instituto de Psiquiatria Paulista (IPP).
O que é o jogo patológico?
O jogo patológico, atualmente denominado transtorno do jogo, é uma condição psicológica de uma dependência comportamental, que se caracteriza por um vício no ato de apostar, sem a necessidade de uma substância química. Bottura explica que o vício em jogos de azar é semelhante ao vício em álcool ou drogas, o transtorno do jogo envolve uma compulsão intensa e incontrolável, onde o indivíduo perde completamente o controle sobre seu comportamento de aposta.
Esse transtorno se manifesta quando a pessoa tenta, repetidamente, parar de jogar, mas falha em suas tentativas. Por exemplo, alguém pode prometer a si mesmo que nunca mais vai apostar, mas no dia seguinte se vê novamente envolvido em jogos de azar. Henrique destaca que a perda de controle é uma característica marcante, acompanhada por comportamentos obsessivos, onde o jogo se torna uma prioridade acima de tudo, resultando em sérias consequências para a vida pessoal, social, e financeira do indivíduo.
Além disso, o jogo patológico pode ser acompanhado por sentimentos de culpa, ansiedade, depressão e até mesmo comportamento de risco para cobrir perdas financeiras, o que intensifica ainda mais a necessidade de tratamento. Profissionais de saúde mental, como psiquiatras e psicólogos, utilizam uma combinação de psicoterapia e, em alguns casos, medicação para ajudar o paciente a recuperar o controle sobre seus impulsos e reconstruir suas vidas longe do vício.
Como identificar que os jogos de azar estão representando um vício?
Identificar que os jogos de azar estão se tornando um vício envolve observar alguns sinais claros que indicam perda de controle e impacto negativo na vida do indivíduo. Um dos principais sintomas é a necessidade crescente de apostar para obter a mesma sensação de euforia que sentia anteriormente, um fenômeno conhecido como tolerância. Isso significa que o jogador precisa aumentar o valor ou a frequência das apostas para alcançar o mesmo nível de excitação, o que indica que o organismo está se adaptando ao comportamento viciante.
Além disso, Bottura explica que a pessoa pode apresentar sintomas de abstinência quando está impossibilitada de jogar, como irritabilidade, ansiedade, e até depressão, o que reforça a dependência psicológica do jogo. Outro indicador importante é a persistência no comportamento de apostar, mesmo diante de graves consequências negativas. O indivíduo pode perder o emprego, o casamento, os estudos, ou até enfrentar problemas financeiros severos, mas ainda assim não consegue parar de jogar.
Por fim, o sentimento de fissura — uma avidez ou desejo incontrolável pelo jogo — também é um sinal de que o comportamento se transformou em um vício. “É importante destacar que o vício em jogos de azar afeta aproximadamente 1% da população, mas esse número tende a aumentar em contextos onde o jogo é amplamente acessível, como é o caso do Brasil, onde a liberação e disponibilidade de jogos tem contribuído para o aumento dos casos de transtorno do jogo”, aponta o psiquiatra.
Como tratar o vício em jogos de azar?
O tratamento do vício em jogos de azar é complexo e multifacetado, exigindo uma abordagem integrada que combina intervenções médicas e psicoterápicas. Em primeiro lugar, Bottura explica que é fundamental abordar as comorbidades psiquiátricas frequentemente associadas ao transtorno do jogo, como depressão e ansiedade.
“Do ponto de vista psiquiátrico, o uso de medicamentos pode ser necessário para diminuir a fissura e a avidez pelo jogo. Esses medicamentos ajudam a controlar os impulsos que levam o indivíduo a buscar incessantemente o comportamento de aposta”, destaca o psiquiatra. Além do tratamento medicamentoso, a psicoterapia desempenha um papel vital no tratamento do vício em jogos de azar.
“Porém, não se trata de qualquer terapia; é essencial que o terapeuta tenha um profundo entendimento da dinâmica do jogo e dos mecanismos que tornam os jogos altamente viciantes. O profissional tem que ajudar no processo de reestruturação cognitiva, trabalhar vários elementos que são implícitos na construção dos jogos para viciar o jogador”, explica Henrique Bottura.
A combinação dessas estratégias aumenta significativamente as chances de sucesso no tratamento do transtorno do jogo, ajudando o paciente a recuperar o controle sobre sua vida.
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