Em ‘A Dona do Pedaço’, Rosane Gofman vive Ellen, a elegante e fiel escudeira de Maria da Paz (Juliana Paes). Já no teatro, ela está em cartaz com ‘Eu Sempre Soube…’, monólogo que fala sobre a relação de mães com filhos gays, lésbicas e transgêneros.
A atriz morre de amores pelos três herdeiros e os seis netos. Mas, seja aonde for, está sempre pronta para hastear a bandeira da empatia, da tolerância e do amor. Em entrevista exclusiva para AnaMaria, Rosane abriu o jogo sobre a “temática do espetáculo e a homofobia atrapalharem a busca de patrocínios.”
Ela ainda revelou que alguns teatros pediam para ler o texto da peça com medo de conter declarações contrárias ao governo. “Queremos que as pessoas tirem os preconceitos do armário, joguem no lixo e respeitem muito”, diz.
Confira!
O QUE A ELLEN DE ‘A DONA DO PEDAÇO’ ENSINA AO PÚBLICO?
Em primeiro lugar, que é possível ter uma profissão não considerada das mais chiques e, mesmo assim, ser uma mulher elegante. Você também pode ser parceira e leal com quem você trabalha, independentemente do lugar em que esteja. Nem sempre o patrão é alguém que não merece o seu carinho.
COMO ELLEN SURPREENDE VOCÊ?
Pela elegância mesmo. O corte de cabelo, a dedicação acima de qualquer coisa pela patroa, Maria da Paz, e até mesmo pela filha dela, a Jô , vivida por Agatha Moreira. Afinal, a Ellen a viu desde pequena e, mesmo sabendo tudo o que ela apronta, ainda assim, tem carinho por aquela menina. Só acho que a Ellen deveria ser mais esperta.
VOCÊ ESTÁ ENCENANDO O MONÓLOGO ‘EU SEMPRE SOUBE…’, BASEADO NO LIVRO DE MARCIO AZEVEDO. A OBRA FOI ESCRITA A PARTIR DO DEPOIMENTO DE 92 MÃES DE GAYS, LÉSBICAS E TRANSGÊNEROS. O QUE A MOTIVOU INTERPRETAR A JORNALISTA QUE LANÇA UM LIVRO SOBRE AMOR DE MÃE?
O texto chegou a mim pelo WhatsApp. O Marcio me mandou e, quando li, já disse “é meu, tenho que fazer, é minha missão”. Porque, independentemente de quem sejam nossos filhos, nós, mães, nos sensibilizamos com todas as dores de todas as mães. Então, falar em nome delas, na sua maioria e nesse caso especificamente, em nome das mães pelas diversidades no geral, é fundamental.
QUEM TEM SIDO MAIS IMPACTADO PELO ESPETÁCULO: MÃES OU FILHOS?
Pelo que chega a mim, os filhos. Todos eles se reconhecem, me abraçam fortemente, agradecem pelo espetáculo. Algumas mães também. E, inclusive, pessoas que não fazem parte do universo LGBT. Os abraços deles são importantes para mim, porque essas pessoas dizem que tiraram o preconceito do armário. Não são a maioria, mas são fundamentais.
QUAL FOI O DEPOIMENTO QUE MAIS A TOCOU?
Exatamente o da última mãe que postou nas redes sociais. Ela falou que não se achava preconceituosa, mas não se viu durante o espetáculo. Ela considerou a peça importante para tirar o preconceito dela do armário. Queremos que as pessoas tirem os preconceitos do armário, joguem no lixo e respeitem muito.
O ESPETÁCULO É DEDICADO A UM SOBRINHO SEU QUE É GAY. COMO FOI A ACEITAÇÃO DELE POR TODA A SUA FAMÍLIA?
A família, assim como a peça, sempre soube desde quando ele era pequenininho e a aceitação foi tranquila, principalmente pelos pais, que foram geniais desde o primeiro momento. Quando ele era bem pequeno, ainda se forçava a barra com conselhos como “leve o menino para jogar bola”. Mas depois aceitaram super-bem com muito amor e carinho. Ele é lindo, é meu sobrinho!
A TEMÁTICA DA PEÇA DIFICULTOU A BUSCAR POR PATROCÍNIO?
Posso falar das situações em que estive presente. O Marcio também recebeu ‘nãos’ esquisitos e, sem dúvida, o tema da peça atrapalhou muito. Alguns lugares pediam para ler o texto, queriam saber o que tinha lá embora tivessem gostado do tema. Em um primeiro momento, chegavam a pensar que falaríamos mal de pessoas ou de governos. Porém, agora, com o tempo e bastante gente assistindo, fica bem claro que a nossa intenção são as famílias, o amor, que se respeite, receba, acolha. E, mesmo assim, a homofobia ainda atrapalha muito os pedidos de patrocínios.
VOCÊ TEM TRÊS FILHOS HOMENS. DE QUE MANEIRA OS EDUCOU PARA TEREM EMPATIA COM A COMUNIDADE LGBT?
Não precisei educá-los para ter empatia. Eles conviveram com meus amigos LGBTs a vida toda. Então, a questão nunca precisou ser falada, discutida, não foi preciso ensinar. Tive uma amiga gay que morou em casa e até hoje eles são parceiros. Não tem por que ensinar, a menos que você seja um babacão, mas não é o caso da nossa família.
ALÉM DE ATRIZ, TAMBÉM É DIRETORA. VOCÊ SE SENTE MAIS CONFORTÁVEL EM QUAL DAS DUAS POSIÇÕES?
Me sinto mais confortável atriz, porque é isso que está comigo a vida inteira. Eu sou uma diretora mais eventual. Ser atriz, acho, é o meu primeiro lugar, quer dizer, depois do meu lugar de mãe.
DEIXANDO OS ATUAIS PERSONAGENS DE LADO, EM SEUS 43 ANOS DE CARREIRA, QUAL FOI O PERSONAGEM QUE DISSE ALGO QUE VOCÊ GOSTARIA DE FALAR?
No início da minha carreira, fiz uma peça a partir de uma criação coletiva chamada O Dia de São Vatapá. Era o dia em que o morro não descia para desfilar nas escolas de samba da avenida e, apesar de isso ter dois lados, na verdade, o povo cansa, não quer ser o bobo da corte. Claro, o Carnaval é lindo, é fundamental para as cidades, mas naquele momento foi muito bom dizer aquilo. Estivemos em muitas comunidades, foi impactante. Assim como a montagem do Despertar da Primavera, a primeira realizada no Brasil, feita pelo Grupo Pessoal Despertar. Nós falávamos sobre sexualidade, masturbação, perda de virgindade… Foi muito importante para os adolescentes daquela época. Eu tinha cerca de 20 anos.
QUE GRANDE DESAFIO VOCÊ VENCEU NA VIDA?
O grande desafio pelo qual passei foi estar longe do meu pai quando ele se separou da minha mãe em um momento difícil da minha adolescência. Fui muito revoltada. Ele, que ainda está vivo, era péssimo. Já faz tempo que vim vencendo essa dor e, inclusive, a dor de descobrir quem de fato era essa pessoa. Foi um desafio forte, mexeu com minha vida, a minha adolescência, a minha cabeça. Foi difícil passar por ali. Me senti traída naquele momento.
E QUAL DESAFIO AINDA PRETENDE VENCER?
Não diz respeito a profissão, mas quero ficar mais magrinha e mais saudável para me jogar no chão com os meus seis netos e não sentir dor na coluna na hora de levantar [risos], porque eu adoro Nhá Benta [gargalhada]!
QUAIS FORAM AS GRANDES LIÇÕES QUE CADA UM DOS SEUS FILHOS ENSINARAM A VOCÊ?
Diria que não tem a lição. Meus filhos são minhas lições. Na verdade, talvez sejam os meus professores, porque eu sou muito enlouquecida, apaixonada por eles. Passei por uma situação muito difícil com meu filho mais velho: ele estava na Fundição Progresso [centro cultural e casa de espetáculos do Rio de Janeiro] e uma barra de ferro caiu em cima da cabeça dele. Demorou um ano para recuperar a fala, os movimentos. Foi uma lição de superação, porque hoje ele é um cara maravilhoso, terá o terceiro filho, é um ator e autor incrível. Agora, do amor, eu continuo aprendendo todos os dias com eles, com meus netos. Filho é um aprendizado eterno.
E QUAL FOI A PRINCIPAL LIÇÃO QUE VOCÊ FEZ QUESTÃO DE ENSINAR A CADA UM DELES?
Sou daquelas mães que ensinou o básico para a sobrevivência, pelo respeito ao outro. Mas, acho, tudo passa mais por mim, pelas minhas atitudes, do que pelos ensinamentos. Sempre fui uma mãe meio doida, mãe artista. Tomo banho pelada com meu neto, não sou uma pessoa tradicional, sou aquela que vai ensinando conforme as coisas acontecem. Os ensinamentos que trocamos são bem legais porque eles são maravilhosos. Eles aprendem vendo os valores nas coisas básicas da vida, como dar lugar a pessoa de idade, um cadeirante, uma mulher com criança de colo. As coisas e atitudes vêm na nossa convivência, aprendemos juntos.
COMO DONA DE CASA, QUAL A SUA MELHOR HABILIDADE?
Odeio ser dona de casa [risos]. No bom sentido, sou muito da vida, da rua. Não levo muito jeito para cozinhar, mas fui dona de casa enquanto precisava ser pelos filhos, para cuidar do ambiente, torná-lo limpo, higiênico, saudável, fazer comidinhas. Mas eu nunca tive preferência por nenhum trabalho de casa.
O QUE TIRA O SEU SONO HOJE?
Qualquer problema com meus filhos, netos ou mãe. O resto é batalha. Qualquer coisinha fora do normal que acontece com eles, já me deixa arrasada. A vida é mais fácil, acho, do que a gente faz parecer.