Acredito que muitas pessoas não saibam, mas desde a Grécia Antiga, o humor é um gênero utilizado para descrever pessoas que são consideradas inferiores na sociedade. Naquele tempo, as peças de teatro do gênero comédia tinham como protagonistas escravos, pessoas com deficiência e pessoas pobres. Quem fez esta distinção foi Aristóteles, quando escreveu “A Poética”, considerada a primeira teoria de literatura do mundo.
De lá para cá, muita coisa mudou! E o humor, que antes não era utilizado para falar da nobreza, acabou se tornando algo chique, sofisticado. Vale pensar no quanto os humoristas são importantes atualmente. Mesmo assim, no Brasil e em especial na TV aberta, gente ainda continua usando o gênero para falar de pessoas pobres, e de forma muito esquisita.
E digo isso me referindo ao novo programa da Globo, “Tô nessa”, cuja principal estrela é a veterana Regina Casé. Na trama, ela faz uma mãe solo que vive com suas filhas e, no primeiro episódio, o drama central se deu ao redor de uma geladeira que quebrou. Para recuperar o item tão necessário, a mãe aluga um quarto na casa para conseguir R$400 e comprar uma geladeira nova.
De tão ingênua, a trama fica graciosa, mas não engraçada. Primeiro porque os personagens criam mais confusões para resolver um problema tão simples, do que o próprio problema inicial. A história faz parecer que todos os pobres são burros e não são capazes de conseguir R$400 facilmente. Olha a quantidade de linhas de crédito que temos no mercado, não dá pra parcelar ? Além disso, não tem nenhum vizinho, amigo ou conhecido que possa emprestar este dinheiro? Meio sem noção esse enredo.
Sem contar que uma das filhas, Nana (Valentina Bandeira), para ter privacidade, alugou o próprio quarto da mãe… Fico pensando o que minha mãe faria se a geladeira da nossa casa estragasse e, tendo dinheiro, eu preferisse alugar um quarto e deixar ela dormir na sala, ao invés de dar o dinheiro logo pra ela comprar ou arrumar o eletrodoméstico. Nada a ver essa atitude de Nana. Falta de empatia.
“Ah, mas é humor”… Olha, primeiro que pobre não é burro – vamos começar por aí. Muito pelo contrário, a grande e esmagadora massa do país sobrevive graças à criatividade e capacidade de encontrar soluções para um país tão desigual.
Segundo, aqui enfrentamos problemas reais: apagões, assaltos, transporte público lotado, escolas ruins. A lista é bem grande, por isso, não é uma geladeira queimada que iria deslocar uma família toda. História pra boi dormir…
Enfim! Falta olhar para o roteiro e o humor com mais carinho ! Exemplos bons não faltam, como “Toma lá da cá”, “Tapas e Beijos”, “Todo mundo odeia o Cris” e até mesmo o “Vai que Cola”, muito parecido, inclusive.