Juárez Pereira da Silva sentiu na pele a importância do trabalho voluntário. Hoje com 36 anos, o morador de Jardim Ângela, localizado na Zona Sul de São Paulo (SP), viu sua vida mudar completamente em 2014, quando ficou paraplégico por conta de um assalto.
Internado no Hospital Municipal de M’boi Mirim, Juárez acabou recebendo a visita de trabalhadores voluntários que estavam dispostos a ouvi-lo desabafar, distraindo-o e ainda trazendo um pouco de diversão durante o período.
Grato pela ajuda que recebeu, o estudante de Educação Física não pensou duas vezes e tornou-se parte do mesmo grupo de voluntários que atuava na instituição cerca de dois anos após a alta hospitalar.
“Tinha um rapaz lá, cadeirante na mesma situação, que estava em depressão e pensando em suicídio. Contei para ele a minha história e explique que hoje sou feliz, tenho mais tempo, faço rapel”, conta Juárez, ressaltando que meses depois encontrou o mesmo homem em uma avenida. “Ele estava no ônibus e ficou gritando para conversar comigo, dizendo que graças a mim estava melhor e fazendo terapia.”
Felizmente, Juárez não é o único a se dedicar a este tipo de trabalho. Segundo levantamento feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aproximadamente 7,2 milhões de pessoas realizaram os mais variados tipos de atividades filantrópicas no Brasil em 2018.
Além de Juárez, a AnaMaria Digital conversou com mais três voluntários que encontraram na caridade seus verdadeiros objetivos de vida.
VOLUNTÁRIA AOS 95 ANOS
Foto: Arquivo Pessoal
Gertrudes Rose Mary Levy Barmak, carinhosamente apelidada de ‘Dona Trudy’, tem 95 anos de vida e muitos outros de trabalhos voluntários prestados para o Hospital Israelita Albert Einstein, localizado em São Paulo (SP).
Esta parte da vida dela teve início quando, há 42 anos, foi convidada pela presidente da instituição na época para participar de algumas aulas preparatórias para os voluntários.
Dona Trudy lembra que cerca de vinte mulheres, todas donas de casa, integraram ao grupo. “Algumas, equivocadamente, chegaram a perguntar quais seriam os benefícios que iriam receber com o trabalho prestado”, conta.
Ao final do processo, apenas ela e outras cinco mulheres estavam aptas para começar a trabalhar como voluntárias. E a primeira experiência da senhora foi na maternidade, fotografando os recém-nascidos e mandando as imagens para a casa dos familiares pelo correio, dias depois. Dona Trudy ficou na atividade por 25 anos.
“Além disso, como eu falo outros idiomas, fazia uma entrevista com as famílias, algumas eram holandesas, outras americanas. Elas sempre diziam que não existia um hospital na Europa como aquele, era tudo muito mais frio, diferente do calor que o Brasil tem”, recorda.
Atualmente, ela faz parte da diretoria do Departamento de Voluntários Einstein e é a encarregada de cuidar das finanças dos trabalhos voluntários prestados pela instituição. Já a frente desta função por quase 20 anos, Trudy conta dos bazares e benfeitorias realizadas para a população da Comunidade de Paraisópolis, mas não esconde as saudades da época em que permanecia na maternidade.
“Era muito mais gostoso estar em contato com as pessoas. Ser voluntária e visitar o público, somos a imagem do hospital. Às vezes, eu encontrava as pessoas que atendia na maternidade e eles se lembravam de mim, mostravam as crianças crescidas, é sempre muito alegre, as pessoas dão muito valor”, conta.
Tendo dedicado praticamente a metade de sua vida para o trabalho voluntário, dona Trudy explica que hoje o hospital é parte importante em sua rotina. “Tudo que Deus me deu de bom na vida foi por ajudar os outros. Eu tinha meus afazeres, tenho 3 filhos e netos, mas o hospital é a minha segunda residência”, diz.
INGLÊS PARA CRIANÇAS NO PERU
Foto: Arquivo Pessoal
Laura Sarria tinha 19 anos e cursava o final do terceiro ano do Ensino Médio em uma escola particular em São Paulo (SP), quando percebeu que precisava realizar algo de diferente antes de partir para a faculdade.
A vontade de ajudar pessoas necessitadas era crescente e, afinal de contas, foi o que acabou levando a jovem colombiana, que se mudou para o Brasil aos 10 anos, a tomar a decisão de ir para o Peru dar aulas de inglês para crianças que viviam em um bairro carente na capital do país, Lima.
“Tinha a certeza de que precisava fazer algo dentro da América Latina”, ressalta a estudante. “Acredito que se a gente quer ter algum impacto no mundo, tem que começar pelo menos do lugar de onde veio.” Por dois meses e meio, Laura deu aulas em uma creche.
Segundo seu contrato de intercâmbio, a professora teria que realizar cinco horas de trabalhos diários, mas Laura permanecia junto às crianças ao longo de todo o dia, chegando até a levá-las e buscá-las na escola pública que frequentavam.
“Esse é o importante do trabalho voluntário para mim. Você não tem que se fechar no que foi lá fazer, tem que aproveitar a sua estadia devotadamente e dar o máximo para ajudar em tudo possível”, conta.
Apesar de reconhecer as dificuldades de prestar trabalho voluntário, a estudante ressalta que a alegria proporcionada pelo serviço faz tudo valer à pena.
“Os contras são compensados pelo sentimento que você tem quando vê uma criança sorrir, ou enquanto brinca com ela. Ver que você estar tendo um impacto em cada uma delas, só de saber disso, me dá uma sensação de que eu tô fazendo a coisa certa”, assegura.
VOLUNTÁRIO TAMBÉM SOFRE
Richard Barbosa, de 36 anos, começou a fazer trabalho voluntário ainda na adolescência, aos 15. Na época, ele ajudava um professor a dar aulas de informática para moradores de uma região rural nos arredores de São Paulo (SP).
Com o passar dos anos, o rapaz percebeu que gostava de lecionar e acabou se aprimorando no ensino de informática e línguas estrangeiras, como inglês e espanhol. Mas foi quando se mudou para a cidade de Osasco (SP) que Richard encontrou a IAFA (Instituto de Apoio à Família), uma ONG cuja estrutura do local despertou o seu interesse.
“Eu ia de casa até o centro da cidade para entregar meu currículo e sempre passava em frente a ONG”, conta. “Como não conseguia um trabalho fixo, estava sem fazer nada e um dia decidi entrar. Falei: ‘Eu preciso fazer alguma coisa’.”
Cheio de boa vontade para realizar seu trabalho, Richard não nega que os professores voluntários passam por algumas dificuldades. “Não tem aquela estrutura de uma escola particular. Eu não posso chegar aqui e mandar os alunos comprarem um livro que custa R$100. Falta material, a gente tem que trabalhar com xerox, então, é difícil, muitas vezes é complicado até para comprar um toner ou um pacote de folhas sulfite”, conta.
Além dos problemas com dinheiro, o professor ressalta que é difícil manter o foco dos alunos, uma vez que em sua grande maioria são pessoas de comunidades carentes e que por motivos maiores acabam abandonando o estudo.
Já dando aulas na IAFA por aproximadamente seis anos, Richard relembra com carinho um dos episódios em que encontrou com uma antiga aluna. Na época, a jovem contou para o professor que graças as aulas de espanhol dele, conseguiu tirar nota máxima em línguas no vestibular e hoje estuda na UNIFESP de Guarulhos. “ Foi um momento que eu vi e falei: ‘caramba, realmente eu consigo fazer a diferença na vida das pessoas’”, ressalta.