A violência deixa marcas que vão além do corpo. O impacto da violência na saúde mental é profundo, e os efeitos da violência não se limitam aos traumas físicos imediatos. Pessoas que vivenciam ou testemunham situações violentas podem desenvolver transtornos psicológicos que perduram por anos, interferindo em diversos aspectos da vida.
“A violência não afeta apenas as vítimas diretas, mas também suas famílias e comunidades”, destaca Marcelle Alfinito, psicóloga especialista em saúde mental. Para muitas pessoas, o estresse causado por agressões físicas ou psicológicas evolui para condições mais graves, como depressão, ansiedade e a síndrome do estresse pós-traumático (TEPT).
A exposição constante à violência — seja urbana, doméstica ou psicológica — resulta em mudanças significativas no comportamento e na saúde mental. “Situações mal definidas, incertas ou ambíguas, frequentemente causadas por violências psicológicas levam ao estresse contínuo, pois, se não sabemos qual problema precisa ser resolvido, não temos como agir de forma adequada”, explica Marcelle. Esse tipo de estresse prolongado pode evoluir para uma exaustão psicológica, e os danos à saúde mental vão muito além de noites mal dormidas ou uma sensação temporária de insegurança.
Efeitos da violência: além das marcas que ficam na pele
O impacto da violência na saúde mental não deve ser subestimado. A violência psicológica, por exemplo, muitas vezes não é visível, mas pode ser tão devastadora quanto uma agressão física. Situações como manipulação emocional, ameaças veladas ou humilhações constantes deixam marcas profundas na autoestima e na percepção de segurança das vítimas. “Se o estresse é contínuo e a pessoa não consegue encontrar estratégias para lidar com a situação, o organismo esgota sua energia adaptativa e entra em fase de exaustão”, pontua a especialista.
Os efeitos da violência são ainda mais preocupantes quando observamos a falta de acesso a serviços de saúde mental. Em muitos casos, as vítimas permanecem sem o devido suporte psicológico, o que intensifica os danos ao longo do tempo. “Baixa autoestima, transtornos de ansiedade e TEPT são algumas das consequências psicológicas da violência, e as vítimas muitas vezes têm dificuldades para buscar ou manter o apoio necessário”, acrescenta Marcelle.
A sobrecarga emocional causada por esses episódios afeta, inclusive, a capacidade das pessoas de se manterem ativas socialmente e economicamente. O medo constante, a dificuldade de concentração e a insônia são sinais de que a violência está impactando a saúde mental de forma profunda. Sem um acompanhamento adequado, esses sintomas podem se agravar e desencadear problemas físicos, como dores crônicas e doenças relacionadas ao estresse.
O papel da família e da comunidade
O apoio emocional é um dos fatores mais importantes para ajudar as vítimas a lidarem com os efeitos da violência. Oferecer um ambiente acolhedor e não julgador pode fazer toda a diferença no processo de recuperação. “Famílias e comunidades desempenham um papel crucial no apoio às vítimas. Criar espaços de segurança emocional é fundamental para que elas se sintam confortáveis em falar sobre suas experiências”, destaca Marcelle. As redes de apoio e os grupos comunitários têm papel fundamental nesse processo, pois podem auxiliar na construção de um caminho de cura e na redução dos impactos emocionais.
Barbara Heliodora, advogada especialista em direito de família, reforça a importância do suporte legal para as vítimas, especialmente no Brasil. “No Brasil, as vítimas de violência têm direito a tratamento psicológico e apoio social, garantido pela Lei Maria da Penha. Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) também são recursos valiosos, além das Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM)”, diz a advogada.
Violência doméstica versus violência urbana
A violência doméstica e a violência urbana afetam a saúde mental de maneiras diferentes, mas ambas deixam marcas profundas. A violência doméstica, por ocorrer no ambiente familiar, tende a ter um impacto mais prolongado e emocionalmente devastador. “A proximidade emocional com o agressor e a falta de uma ‘zona segura’ aumentam o sofrimento e a sensação de vulnerabilidade”, aponta Marcelle. Esse ambiente de tensão constante compromete a confiança nas relações interpessoais e pode levar a um ciclo de isolamento e insegurança.
Já a violência urbana, apesar de imprevisível e aleatória, também provoca altos níveis de ansiedade. Medo de sair de casa, insegurança em ambientes públicos e desconfiança em relação às pessoas ao redor são reações comuns. Embora sejam experiências diferentes, ambas exigem cuidados e intervenções psicológicas para que os traumas não se tornem crônicos. A advogada Barbara Heliodora enfatiza que a integração entre setores de justiça, saúde e assistência social é crucial para romper o ciclo da violência: “É necessário investir em programas que acompanhem o agressor e garantam medidas protetivas eficazes para as vítimas.”
O ciclo da violência
O impacto da violência na saúde mental é ainda mais devastador quando ocorre na infância. Crianças expostas à violência, seja dentro de casa ou em sua comunidade, correm o risco de desenvolver transtornos psicológicos que as acompanham ao longo da vida. “A exposição precoce ao estresse pode alterar o desenvolvimento cerebral, impactando áreas relacionadas ao controle das emoções e à tomada de decisões”, explica Marcelle. Isso pode dificultar a formação de relacionamentos saudáveis na vida adulta, além de aumentar a propensão a transtornos de ansiedade e TEPT.
A criação de ambientes seguros, tanto em casa quanto na escola, é essencial para que essas crianças possam se desenvolver de forma saudável. “Promover o diálogo sobre os efeitos da violência e educar a sociedade sobre a importância da saúde mental é um passo importante para a prevenção”, ressalta a psicóloga.
A importância da rede de apoio
Para que as vítimas possam lidar com o impacto da violência na saúde mental, é necessário um suporte contínuo e eficiente. Desde o atendimento psicológico até o suporte legal, a rede de apoio precisa ser robusta e acessível. A ausência dessa rede agrava a situação, perpetuando o ciclo de violência nas comunidades. “Sem o devido acolhimento psicológico, as vítimas continuam presas ao medo, e a sensação de impunidade perpetua a violência”, alerta Barbara.
É essencial que a sociedade se envolva na luta contra a violência, não apenas para garantir a segurança física das vítimas, mas também para cuidar da saúde mental delas. Investir em campanhas de conscientização, capacitar profissionais e ampliar o acesso aos serviços de saúde mental são medidas essenciais para transformar essa realidade. Afinal, as marcas da agressão vão muito além do que se vê — elas precisam ser tratadas com cuidado e atenção para que a vida das vítimas possa, de fato, seguir em frente.
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