Ser amigo, mas amigo daquele que faz jus ao termo, não é tarefa simples. Exige se despir de você e entrar na pele do outro para sentir tristezas e alegrias, que não te pertencem, como se fossem suas. Deveria ser carreira diplomática, com direito a graduação e MBA. E olha: poucos seriam aprovados no vestibular deste curso porque ser amigo não é para qualquer um. Exige dons que você nem sabia que tinha, como paciência de Jó e autocontrole de monge tibetano.
Ser amigo requer se esquecer dos próprios problemas para cuidar da crise existencial do outro, mantendo o olho no celular pois, em algum momento – geralmente o mais impróprio – vai ter alguém pedindo socorro. E amigo que é amigo sabe que aquela urgência até pode não ser tão urgente assim, mas vai tratá-la como se fosse.
Amigo escuta a voz chorosa perguntando se não está atrapalhando e mente que não, enquanto afasta o computador e silencia as outras ligações. E escuta a mesma história pela milésima vez por saber da importância de não se trancar mágoas no peito. Mas não se esquiva de dar sua opinião sincera, mesmo pegando leve e dourando a pílula, ao perceber que ainda não pode colocar o pé na porta e apresentar a realidade nua e crua.
Mas também fica a cargo do amigo o trabalho sujo, de falar a verdade dolorida, correndo o risco de ser classificado – ainda que temporariamente – de carrasco. Amigo não passa a mão na cabeça o tempo todo, mas toma fôlego e coloca o dedo na ferida o mais jeitosamente que consegue porque sabe que tem doença que só cura com remédio amargo.
Amigo não difere tempestade em copo d`água de tornado, uma vez que enxerga o que machuca pelo mesmo prisma, faz de tudo para sentir na pele e tomar as dores como se fossem suas. Por isso aquela vontade de socar o ex que magoou a amiga, quando o encontra azarando outra na balada. Porque amigo não jura no altar ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, mas é como se tivesse jurado.
XINGA, MAS NÃO ARREDA O PÉ
Amigo vai te defender em alto e bom som na frente de quem for e depois vai usar o mesmo tom de voz para te xingar. Amigo, desses diplomados na arte, vai te proteger até de você mesmo.
Amigo vê o outro – que saiu jurando por todos os santos que iria fazer exatamente o que lhe foi aconselhado – ir na contramão do juramento, repetir os mesmos erros e dar ouvidos a gente sem noção para depois cair em si e voltar envergonhado, mas tão em carne viva que cadê a coragem de fechar a porta na cara?
Ele sabe que é humano errar e que tem hora que amigo não precisa de palavras, mas de colo e brigadeiro, não exatamente nessa ordem. Porque amigo que é amigo adoça a vida do outro com presença, mas também com ausência. Porque, depois de um tempo, amigo sara. Mas você não sente falta: sente orgulho por vê-lo se superando e alçando voos solo de novo.
*WAL REIS é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br