“Era 2016, eu tinha 39 anos, e estava fazendo um simples exercício físico diante do espelho, quando notei que havia algo errado, pois vi uma retração da pele no seio esquerdo e achei aquilo muito estranho. Liguei para a minha irmã, que é mastologista e, quando ela olhou, já detectou”, relembra a cardiologista pediátrica Renata Isa Santoro, atualmente com 43 anos, sobre quando recebeu, segundo ela, uma das piores notícias de sua vida: estava com câncer de mama.
Dias depois, um ultrassom e uma biópsia confirmaram a doença. A partir deste momento, Renata afirma que seu mundo desabou. “Pensei que era o fim da linha porque essa notícia traz muito peso, até na gente que é médico. Em segundos se foram todos os meus projetos, meus anseios, minha saúde e minha vida”, conta.
É NORMAL
O mastologista Alexandre Pupo, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo (SP), conta que é normal reações de negação tanto da paciente quanto de familiares. “Existe no consciente coletivo a ideia de que é uma doença muito agressiva, ruim e que vai matar, só que isso não é verdadeiro, especialmente quando falamos do câncer de mama”, ressalta o médico.
Pupo destaca que a ciência moderna tem um arsenal de tratamento muito grande. “Geralmente trazemos todas as informações positivas na tentativa de controlar um pouco esse ambiente negativista. De forma gradativa, a mulher passa pelo processo de aceitação e depois para a fase do ‘vamos resolver o problema’, se tornando mais audaciosa, positivista para enfrentar as próximas fases do processo”, diz.
INSPIRAÇÃO PARA LIVRO
Dos momentos de solidão do tratamento, que envolveram uma cirurgia, seis meses de quimioterapia, as 38 sessões de radioterapia, além do medicação oral por pelo menos cinco anos, Renata encontrou forças para escrever seus sentimentos em forma de conselhos aos filhos pequenos: Francisco, que tinha oito anos, e Laura, com seis na época em que a mãe esteve doente.
Aos poucos, as palavras tomaram forma de livro, lançado dois anos depois, o ‘Poderosa Leveza do Ser’ (Ed. Chiado Brasil), a qual ela define como “uma jornada sensorial de autoconhecimento, que permite cada um sentir uma sensação diferente através da identificação.”
“A obra veio com a ideia de contar pros meus filhos quem eu sou. Para deixar documentado quem é a mãe deles, aconselhar para não cair na armadilha do dia a dia de se perder. Publiquei sem nenhuma expectativa e fiquei feliz por ele alcançar muitas pessoas, não apenas as que têm câncer”, afirma.
(FOTO: Arquivo Pessoal)
APOIO EMOCIONAL
Além de toda a questão do tratamento, a médica percebeu que sua família também teve dificuldades em lidar com o momento que ela estava vivendo. A mãe, por exemplo se culpava pela doença dela, enquanto o marido e o filho, tiveram dificuldades com a nova imagem de Renata diante da perda de cabelo. “Percebi que não tinha caído a ficha e eles também sofreram muito.”
Assim, ela precisou se ancorar na irmã, que lhe apoiou tanto na parte prática de orientações do dia a dia como na parte emocional, e nos cuidados da filha caçula. “Me ajudou demais porque ela me via através do câncer e não importava se eu tinha cabelo ou não, só queria saber o que eu estava sentindo, na parte emocional.”
MUDANÇA DE VIDA
Foi diante do tratamento que Renata reconheceu a necessidade de fazer algumas mudanças na própria vida, como desacelerar o ritmo. Ela conta que, antes, estava sempre muito ocupada e sem ânimo, mas fazia questão de deixar tudo em perfeição. “Por dentro, sentia uma apatia e uma tristeza enormes porque aquilo não era eu. Estava sempre no piloto-automático”, diz.
Após a chegada da doença, passou a praticar a respiração, que trazia calma e abaixava a frequência cardíaca. “Aprendi algo que não vemos na faculdade de medicina: não estamos separados do corpo. Aos poucos, ampliei minha conexão energética e espiritual e mergulhei numa jornada de cura”, destaca.
A partir daí, ela deixou o emprego no hospital da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior de São Paulo, e passou a clinicar apenas por meio período. Seu olhar com a medicina “mudou da água pro vinho”. “Hoje eu escuto meu paciente, os pais e o que eles têm pra falar, em uma abordagem mais integrada para entender mente e corpo.”
As mudanças não pararam por aí. Renata conta que passar um tempo sozinha foi fundamental para se reencontrar e entender o câncer, tendo como principal lição o amor próprio. “Eu já tinha perdido isso, mas quando você se ama, automaticamente todo mundo que está ao seu redor faz isso também. Então, ame-se, tenha amor próprio, conheça seu próprio corpo”, aconselha.
(FOTO: Adrielle Fotografia)
MÊS DE CONSCIENTIZAÇÃO
Renata avalia a importância do Outubro Rosa. “Uma das maiores causas de morte nas mulheres é o câncer de mama, o que mostra que não estamos nos cuidando, nos conhecendo. Pra mim, o mês vai muito além de lutar contra o câncer, ele vai do olhar para o próprio corpo, do cuidado.”
Para as mulheres que estão passando pela doença, ela aconselha para que confiem na medicina. “Deixem o tratamento acontecer, mas busquem também outras respostas para cuidar o lado emocional e resgatar sua essência.”
Já Pupo ressalta ainda que é um mês importante, em que as sociedades médicas aproveitam para exercer uma pressão forte sob os órgãos de governo, na tentativa de aumentar o número de mamógrafos e a conscientização das mulheres sobre a necessidade de se fazer o acompanhamento anual com um especialista.
“O câncer de mama é curável e detectável por meio de um exame muito simples de ser realizado, a mamografia. Exatamente por isso, precisa existir um esquema nacional de acolhimento e prevenção do câncer de mama”, analisa o mastologista.