Querido ex qualquer coisa – namorado, marido ou amante –, como vai? O tempo passou, descruzamos de vez nossos caminhos e o que lá atrás parecia impossível aconteceu: não é que a vida se transformou em um lugar melhor e hoje você não passa de uma vaga lembrança?
Claro, não foi de uma hora para outra: no começo, sair da cama todas as manhãs foi uma dificuldade. “Para que mesmo?”, me perguntava. Os dias se arrastavam nublados, mesmo com o sol a pino do lado de fora. E o “lado de fora” era o que menos importava. Vivi aquele momento de egoísmo: minha dor doía como a maior do mundo. É uma fase de se afogar em lágrimas e de conseguir a proeza de sentir ódio e saudade no mesmo minuto.
Num domingo que durou umas duas semanas, em um ato simbólico, recolhi todos os objetos que te representavam – de ursinhos de pelúcia aos chinelos esquecidos no banheiro –, enfiei tudo numa caixa e levei para o lixo do prédio. Mas, como é uma fase bipolar, o arrependimento já estava comigo na volta, ainda no elevador. Apertei de novo o segundo subsolo e retornei agarrada na caixa resgatada, imaginando o que o porteiro, olhando pelas câmeras, estaria imaginando.
Devido a essa bipolaridade, às vezes acreditamos que o cronômetro zerou e que estamos prontos para outra. Aí, a turma insiste com a ideia de balada e embarcamos, menos para se divertir e mais para se vingar. No instante seguinte ao aceite, porém, bate o pesar. E, ao me ver no espelho toda montada no look sábado à noite, me convencia que ainda não estava pronta para nada. Borrava a maquiagem com mais lágrimas, vestia o pijama, me atracava com o pote de sorvete e buscava um filme açucarado da TV para desidratar mais pouco.
O TEMPO COMO ALIADO
Então a vida vai seguindo e, independentemente da cara inchada e da pouca vontade, eu, como a maioria dos órfãos apaixonados, precisava continuar trabalhando, estudando e pagando boletos. O que foi até bom: querendo ou não, a rotina acaba te distraindo. E quando nos damos conta, passamos um dia inteiro sem chorar, simplesmente porque não deu tempo. Mais adiante, a gente se pega rindo de uma piada idiota que alguém contou no almoço e se espanta com o som da própria risada. Até que, em determinada noite, ao apagar a luz do abajur, me surpreendi constatando que haviam passado 24 horas sem um único pensamento em você. Era o começo da redenção.
A partir daí, ex, começou um processo de desconstrução natural. Lembrei de um fim de semana naquela pousada à beira-mar, mas não mais do jantar à luz de velas, com o barulhinho da praia e o céu apinhado de estrelas, como insistia minha memória seletiva antes, e sim do seu mau humor, na mesma viagem, quando me equivoquei com o mapa e demos umas voltinhas a mais para chegar ao destino. Depois, você reclamando da comida “sem gosto” e da música alta no mesmo jantar. E da sua falta de interesse enquanto eu contava como aprendi a nadar.
Assim foi acontecendo: a cada novo episódio que a memória teimava em trazer, meu superego respondia com um soco de direita, na melhor linha: “vamos com calma, minha filha, também não configurava toda essa maravilha, não”. E fui desmontando nossa relação: aos poucos, de forma orgânica, de dentro para fora. Sem virar página abruptamente, como aconselhavam aqueles que não entendem nada de superação. Porque quando decidi que já era tempo de fechar o livro, a história tinha acabado de verdade.
E sabe de uma coisa, ex? Descobri que existe uma biblioteca repleta de bons e maus livros e, após algumas leituras, a gente vai apurando o gosto e agora – um pouco graças a você – consigo distinguir um livro ruim só de olhar a capa.”
*Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: walreisemoutraspalavras.com.br