Visitei o site umas 12 vezes. E a sandália lá, me provocando. Vermelha, ocupando toda a tela. Não era qualquer vermelho. Era um vermelho daqueles que se enxerga a dois quilômetros de distância e faz você virar ponto de referência: era “aquela da sandália vermelha”. Uma papete meio espalhafatosa, com cara de verão, a um preço nada exorbitante. E tinha meu número – uma raridade quando se calça 34.
Haviam também as outras cores ditas mais versáteis: nude, branco, amarelo e até a pretinha básica “vai com tudo”. Fiquei ali, naquela luta moral com o mouse em punho: colocava a amarela na sacola virtual do site, tentando me convencer de que ela tinha um pingo de ousadia e ia ficar linda com alguns dos meus vestidos. Mas, na hora de fechar o pedido, voltava a olhar a vermelha. E trocava.
Conferia mentalmente a paleta de cores no meu armário e concluía, sem muita convicção, que a vermelhinha não daria certo com nada. E optava de novo por alguma cor daquelas que as pessoas esperavam ver nos meus pés. Ainda que imbuída de toda esta racionalidade, porém, não conseguia concluir a compra.
“Pega a amarela. A vermelha é muito vermelha. Você não vai usar”, ouvi meu superego dizendo pela voz do meu marido e, na hora, concordei da boca pra fora.
CAMINHANDO COM SAPATOS ERRADOS
Foi quando me toquei que a coisa ia além de comprar um sapato. Era uma vontade imperativa de sair da zona de conforto, de transgredir sem pirar, uma transgressãozinha inocente de não me obrigar a combinar nada com nada ou melhor: de até combinar, mas apenas depois que ela chegasse pelo correio, fazendo este exercício criativo a partir das sandálias vermelhas. Uma infração que podia parecer uma bobagem fashionista, mas que, na verdade, era um treino para o meu livre-arbítrio não morrer.
Calçar sapatos que não são da cor preferida ou que machucam pode não configurar uma questão de escolha: às vezes, andamos longos trajetos – uma existência toda? – apertando os dedos em modelos que nunca serviram ou já não servem mais.
Passamos tempo demais fazendo o que é lógico, em nome do bom senso, e perdemos a prática de fazer escolhas verdadeiras, aquelas que nos representam. Deixamos de lado nossa identidade, fazendo o que esperam, passando despercebido pela vida, que acaba desbotando também.
A sandália vermelha não era sexy, mas era alegre. A mais alegre da loja eletrônica. E talvez fosse aquela alegria meio infantil, de sapato de criança, que eu precisava emprestar aos meus pés naquele momento, me dando o direito de seguir mais leve, mesmo com tudo aparentemente descombinado, permitindo que eu fosse apontada na rua como aquela da sandália vermelha, com um sorriso largo de quem caminha pelas próprias pernas.
*WAL REIS é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: walreisemoutraspalavras.com.br