A história de vida de Luiza Helena Trajano Inácio Rodrigues, 68 anos, é de tirar o chapéu! Nascida e criada na cidade de Franca, interior de São Paulo, ela começou a trabalhar aos 12 anos, durante as férias escolares, como balconista na loja de seus tios, Luiza Trajano Donato e Pelegrino José Donato.
A Cristaleira era um pequeno comércio de presentes e ganhou o nome de Magazine Luiza graças a um concurso na rádio local. Pouco tempo depois, Luiza passou a trabalhar de forma efetiva, ocupando cargos em todos os setores. Em 1991, assumiu a liderança, dando início a um trabalho de empreendedorismo indescritível: o simples comércio logo se transformaria numa grande rede varejista com lojas físicas e forte presença no e-commerce.
De 2008 a 2016, foi presidente da rede, função exercida, hoje, pelo filho, Frederico (ela também é mãe de Ana Luiza, chef de cozinha premiada, e Luciana, pedagoga e filósofa): “A maior fortuna que eu tenho são meus filhos compromissados”.
Com visão de futuro, ela foi adiante. Além de colocar em prática medidas contra a violência doméstica, a empresária defende um mundo igualitário e fundou o grupo Mulheres do Brasil, que atua em torno de pautas como educação e valorização da mulher.
Durante a pandemia, participou de mais de 230 lives, sempre deixando uma mensagem de união e luta. Com tantos feitos, ela não perde a doçura e a simplicidade no jeito de se portar e falar.
VEIA EMPREENDEDORA
Luiza Helena teve duas grandes influências femininas na sua criação: a mãe, que a estimulava a pensar em soluções para seus próprios problemas, e a tia, sua xará, com quem compartilhava a veia empreendedora. Luiza, a sobrinha, teve a oportunidade de experimentar desde pequena o que é trabalhar com o varejo.
Quando tinha 12 anos, ela decidiu que iria dar presentes de Natal para todos os familiares. Em vez de dizer que não tinha recursos, sua mãe a encorajou a encontrar sua própria solução: “Trabalhe, junte seu dinheiro e compre seus presentes”.
Luiza abriu mão das férias escolares, trabalhando como balconista na loja da tia. A experiência foi tão enriquecedora que decidiu repetir a dose nos anos seguintes, e acabou se tornando oficialmente funcionária aos 18 anos. Ela foi vendedora, encarregada, compradora, gerente, até receber, em 1991, um bilhete da tia com um chamado: era o momento de assumir a liderança da empresa.
A REDE VAREJISTA
Assim que assumiu a direção, a empreendedora decidiu modernizar a empresa, criando uma loja virtual de eletrodomésticos em uma época na qual as pessoas mal acessavam a internet. Outra medida foi a criação de uma grande liquidação nos meses de janeiro, com as lojas abrindo às 5h da manhã.
O passo ousado fez com que o empreendimento faturasse R$ 100 milhões em cinco horas, e serviu de exemplo para todas as grandes varejistas do Brasil, que passaram a fazer o mesmo. Luiza também voltou a atenção para os funcionários. Durante uma conversa com eles, perguntou sobre seus sonhos e descobriu que ninguém ali sonhava em ser vendedor.
Entendendo que existia um preconceito com a função, ela aboliu o uso de cargos nos cartões de visita da companhia. Em 1993, criou um programa de bonificação que permitia aos funcionários participarem da distribuição dos lucros da empresa. Às segundas-feiras, ocorrem reuniões em todas as lojas, guiadas por uma espécie de rito de comunhão, com direito ao Hino Nacional e o da empresa, além de uma oração.
“Aqueles que não se sentem confortáveis com qualquer parte desse rito, não precisam acompanhar”, conta. No início dos anos 2000, o site de comércio eletrônico já era um grande diferencial. Em 2005, a empresa comprou outras redes e, atualmente, opera mais de 1.100 lojas físicas e 17 centros de distribuição.
PROXIMIDADE
Sabe aquele ditado “olho do dono engorda o gado”? Pois, então, Luiza parece seguir isso à risca. Mesmo estando no topo da hierarquia de comando da rede varejista, ela é conhecida por visitar pessoalmente suas lojas, conversar com vendedores e clientes, responder a e-mails de consumidores e até resolver problemas de troca.
“Não posso perder contato com as demandas das pessoas”, ela costuma dizer. Este, talvez, seja outro diferencial da empreendedora: proximidade com o consumidor. “O que pode ser mais valioso para um empreendedor do que conhecer intimamente seus compradores? Isso é muito importante para quem pretende vender algo, afinal um produto ou serviço nada mais é do que uma solução para um problema, ou uma dor de uma pessoa/ consumidor”, finaliza.
MULHERES DO BRASIL
Com o negócio da família em boas mãos, Luiza passou a se dedicar ao grupo que formou com outras empresárias, o Mulheres do Brasil. Com mais de 68 mil participantes, o grupo atua em parceria com diferentes esferas de poder para a adoção de políticas afirmativas, como a inserção de refugiados no mercado de trabalho, a capacitação de empreendedoras e a projeção de mulheres candidatas a cargos políticos, combatendo a desigualdade.
As ações do grupo também estão relacionadas ao combate à violência contra a mulher, inclusão da pessoa com deficiência, sustentabilidade e políticas públicas: “Somos totalmente a favor dos homens, mas acreditamos na força da mulher. Queríamos ser o maior grupo político apartidário do país”.
AÇÕES PELA IGUALDADE
Foi Luiza quem defendeu publicamente o programa de trainees exclusivo para negros lançado pela varejista. Atacado em redes sociais como “racismo reverso”, o programa foi lançado em 2020 para corrigir um problema no quadro de funcionários da rede: embora 53% dos colaboradores sejam negros, apenas 16% dessa liderança é ocupada por pretos e pardos.
A questão provocou intenso debate público e acabou respingando no Poder Judiciário, mais especificamente na Justiça do Trabalho. No entanto, especialistas afirmam que o programa não é ilegal. Pelo contrário, cumpre com o Estatuto da Igualdade Racial, presente na própria Constituição.
Sobre cotas para mulheres: “Quando você entende que cota é um processo transitório para acertar uma desigualdade, você entende o que isso significa de fato. Temos 7% de mulheres nos conselhos. Se você tirar as donas e filhas de donas, cai para 4%. Vamos levar 110 anos para igualar a presença masculina. Critério de meritocracia para a ascensão feminina não acontece. Acredito, sim, na instituição de cotas em conselhos de administração. Reforço: nós não somos contra os homens, somos a favor das mulheres. Somos um grupo que está lutando”, finaliza.
COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Longe dos holofotes, Luiza também abraçou causas importantes, como o combate à violência contra a mulher. Em julho de 2017, a gerente de uma unidade da rede foi assassinada pelo marido.
O caso de feminicídio impactou a empresária, que criou um canal de denúncias e um comitê interno, além de uma organização para orientar todas as empresas que quisessem fazer o mesmo. Em pouco mais de três anos, a rede interna recebeu mais de 300 denúncias. Mais um projeto digno de aplausos.
A nova versão do aplicativo da empresa possui o botão “Denuncie violência contra a mulher”, conectado ao sistema do Disque 180, facilitando que a mulher agredida possa pedir ajuda de maneira discreta. Por que é tão difícil acabar com a violência contra a mulher?
“Muitas vezes, a mulher ainda se sente culpada e não denuncia. Por isso, a luta é grande e não desisto. Graças a Deus, nosso programa está ‘salvando’ muita gente. O homem faz o que acha que deve: não dá mesada, tira os filhos, mas o direito à vida está na Constituição. Uma mulher não pode ser morta pelo companheiro a cada duas horas neste País e nós ficarmos quietas!”.
APOIO AOS AUTÔNOMOS
Bem no começo da pandemia, a rede varejista criou o Parceiro Magalu, com o objetivo de dar emprego para os autônomos e digitalizar donos de pequenas e médias empresas. “Apareceram 400 mil interessados, 50 mil todo dia vendem alguma coisa. O microempreendedor que nunca tinha mexido com as vendas digitais, em duas horas, coloca a loja dele para dentro da nossa. É um trabalho social. Quando a pessoa vende, normalmente, teria de devolver de 10% a 12%, mas paga R$ 3,99 durante a epidemia.”
SÁBIOS CONSELHOS
Uma carta de conselhos escrita por Luiza para seu filho, Frederico, quando conseguiu o primeiro emprego, hoje, é distribuída a todos os novos funcionários: “Acredite sempre em você mesmo e em sua fé; procure não mitificar coisas nem pessoas; tenha sempre uma atitude de troca: de dar e receber; não abra mão da sua ética, moral e crença na evolução; saiba que tem uma missão. Descubra-a e lute por ela; tenha tempo para tudo. Por isso, se organize, crie ritmo e rotina; tenha paixão pelo que faz, pois só assim fará melhor e mais fácil; e seja sempre você mesmo. Nunca omita a verdade.”
NÃO DEMITA!
Outra causa abraçada pela empresária foi a do papel dos donos de empresas em relação à sociedade durante a pandemia. Luiza foi uma das empresárias a encabeçar um movimento pedindo que as companhias mantivessem empregos, o Não Demita, assinado por mais de 4 mil organizações.
FEMINISTA VERSUS FEMININA
Sobre a importância do feminismo em sua história, Luiza enfatiza: “Feminista é quando você defende direitos iguais para todos. Acho que a mulher, o homem, o gay, todos têm direito de ser o que são. Eu sou feminista. Mas é preciso falar do feminino também. Sempre lutei para ser feminina na minha administração. Por intuição, até hoje não uso calças para trabalhar. Não porque acho ruim, mas porque queria muito ser feminina no mundo corporativo. Sempre chorei quando quis chorar, sempre falei que não sabia quando eu não sabia mesmo alguma coisa, sempre falei que estava intuindo quando intuía. Por um período, foi mais difícil porque era uma época de práticas muito masculinas, e eu estava no contraponto. Por outro lado, era uma empresa muito mecânica. Quando falava de pessoas, no varejo principalmente, falavam que eu era piegas, coisa do interior, que não ia durar nada. Mas me mantive firme. Sou totalmente feminina para administrar”.
E ela completa: “Fui protagonista feminina de uma transformação da empresa, mas com muito respeito à força masculina”.
LIÇÕES DE LUIZA TRAJANO
Especialmente em um ano muito desafiador, ela inspira a todos com sua perspicácia, inteligência e humildade. Há muito o que aprender com a empresária:
- “Eu vivo de quem compra panela de pressão. Por que eu não seria humilde?”
- “O País vive crise de raiva e xingamento. A saída é parar de lamentar e fazer!”
- “Eu não tenho o compromisso de acertar sempre, eu tenho o compromisso de não errar a mesma coisa duas vezes.”
- “Mesmo com muita dificuldade, a crise vai passar. Precisamos ser resilientes.”
- “Primeiro faça o necessário, depois faça o possível e, de repente, você vai perceber que pode fazer o impossível.”
- “A cabeça da gente tem dois lados: o do problema e o da solução. Fui treinada para ‘usar’ o da solução.”