A pandemia fez muito mais do que mudar nossas rotinas temporariamente e levar ao fechamento de fronteiras físicas. Ela também fechou fronteiras morais e, em alguns casos, para sempre. Porque a pandemia pode até sair de cena daqui a algum tempo, mas ela não vai sair de dentro daqueles que, independentemente da vacina, do controle ou – caso fosse possível – da extirpação do maldito coronavírus da face da Terra já optaram pela doença.
Essas pessoas nunca irão acreditar na cura: foram contaminadas pelo vírus da incerteza, do medo e da desconfiança no próximo. São sintomas da gentefobia, que ficaram incubados e só se manifestaram depois da chegada da COVID-19.
É como se aqueles que adotaram o #fiqueemcasa como meio de vida, para muito além deste estado de exceção, já almejassem o isolamento social, mas só depois de toda essa confusão encontraram respaldo técnico-científico para abonar a preferência, dando vazão a receios menos contagiosos que o vírus, mas, às vezes, bem perigosos para a saúde mental.
Empunhando a nobre – nobre mesmo! – bandeira de evitar a transmissão, alguns se mantêm em cárcere, encontrando, no máximo, o vizinho de andar ao ir jogar o lixo, extravasando a vontade antiga de sair correndo sem cumprimentar. Vai que o “bom dia”, proferido por dentro da máscara, contagia o cidadão ou vice-versa. A pandemia deu sim um álibi e tanto para muitos exercerem a falta de comunicação e até de educação.
MUTAÇÃO
Estamos presenciando uma mutação de comportamento em pessoas próximas, antigos companheiros para quem agora representamos uma ameaça e não uma necessidade ou bem-estar. E – é bom deixar claro – não é uma questão de negligenciar a gravidade da situação ou de impor presença física em um momento ainda muito vulnerável em que isso precisa ser realmente evitado.
Já dá para saber, porém, que alguns não apenas se acostumaram como não fazem mais questão de proximidades. Eles estão aproveitando toda essa nova ordem para reorganizar também a pirâmide de prioridades, deixando a convivência de fora.
Os grupos – familiares ou de amigos – estão sofrendo um rearranjo, com a aproximação daqueles que não estavam necessariamente em nossos núcleos mais pessoais e o afastamento de outros que até antes da pandemia eram íntimos. E tudo de acordo com essa nova maneira de encarar a vida.
Só não dá para tirar da conta que somos seres sociáveis e interdependentes por natureza e, por isso, as sequelas de viver em isolamento permanente podem cobrar um preço alto até para quem está agora achando melhor assim.
É preferível viver maldizendo as restrições, mesmo as obedecendo, com uma vontade pulsante de reencontros, do que achar que o “novo normal” significa nos transformarmos em ermitões. Porque gente não é doença. Gente é cura.
*WAL REIS é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: walreisemoutraspalavras.com.br