Iasmin de Brito Pinheiro, hoje com 13 anos, sabe muito bem das dificuldades de viver com a epilepsia, doença em que neurônios disparam várias descargas elétricas no cérebro, resultando em perda de consciência súbita e movimentos involuntários de tempos em tempos.
Os primeiros sinais surgiram quando a jovem tinha apenas três anos de vida. Segundo sua mãe, a mercadóloga Liz Cristian de Brito, ela começou a apresentar crises sutis, bem diferente das clássicas, que são morder a língua, ranger os dentes e/ou ter
dificuldade em respirar.
No caso de Iasmin, ela caía muito e não tinha estabilidade com as pernas desde que começou a andar. “Do nada, ela caía em atividades corriqueiras dentro de casa, como segurar um copo, colocar uma meia, arrumar um cabelo de boneca e até mesmo se vestir. Também apresentava picos de estresse, sem explicação”, detalha Liz.
Como a menina começou a frequentar a escola ainda bem novinha, logo já fazia aulas de balé. No entanto, calçar e retirar as sapatilhas era uma dificuldade, e não por conta da falta de jeito, destaca Liz. Hoje, a família entende que era por incapacidade devido as crises que afetavam a sua coordenação motora e raciocínio.
“Ela não conseguia executar qualquer brincadeira que exigia um melhor raciocínio e coordenação. Todos achávamos que era falta de jeito, desastrada, desinteressada, até mesmo a pediatria que a acompanhava na época falhou. Eles pensavam que era um TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), ou coisas do tipo, o que retardou seu tratamento”, conta a mãe da garota.
Assim como a adolescente, cerca de 50 milhões de pessoas são afetadas pela epilepsia no mundo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, são cerca de 3 milhões de pessoas. Desses, por volta de 900 mil não conseguem controlar as crises da doença, diminuindo bastante sua qualidade de vida.
A mãe de Iasmin, Liz, demorou para identificar os sinais de epilepsia na filha Foto: Arquivo Pessoal
MAS, AFINAL, COMO FUNCIONA A EPILEPSIA?
O neurocirurgião Murilo Meneses, do Instituto de Neurologia de Curitiba-INC (PR), explica que a doença acontece pelo aparecimento de descargas elétricas das células do cérebro, conhecidas como neurônios, que podem se espalhar e provocar as crises epiléticas. Elas podem ter diferentes tipos, dependendo da localização e da forma como essas descargas se espalham.
Infelizmente, não existe uma idade específica para o aparecimento da epilepsia. De acordo com o médico, o problema pode surgir em qualquer idade, apesar de ser um pouco mais frequente na 3ª idade. As causas são diversas, podendo ser congênitas, hereditárias ou metabólicas.
A existência de um cisto, um tumor cerebral, uma hemorragia cerebral depois de um derrame, além de traumatismos cranianos estão entre os exemplos. “Dessa forma, fazer uma avaliação clínica e um exame é fundamental”, destaca.
DESCOBERTA E MUDANÇA DE ROTINA
Foi exatamente o que fez o auxiliar de produção Marcos Henrique Alves da Costa, de 32 anos. Assim que começou a perceber alguns sinais diferentes, há 7 anos, ele decidiu procurar ajuda médica.
“Comecei a ter algumas crises em momentos de tarefas diárias. Sem entender exatamente o que estava acontecendo. Ao ir atrás, um especialista me explicou exatamente a causa e deu as sugestões de tratamento”, conta.
Esse tipo de diagnóstico é realizado pelo médico neurologista, que deve fazer uma boa anamnese, analisando a história da pessoa. Isso será complementado por exames, como o eletroencefalograma e os de imagens, para detectar se existem lesões como pequenos tumores, displasias e cistos.
Descobrir uma doença, em qualquer idade da vida, não é nada fácil. Tontura, ânsia e mal-estar foram alguns dos sintomas que Marcos sentiu a princípio. Ele imaginava, porém, que era algo ligado à rotina corrida, que incluía trabalho, estudos e as preocupações com o noivado. “Como eram muitas coisas para eu pensar e programar, imaginava que todos aqueles sintomas eram relacionados ao estresse e cansaço”, explica o auxiliar de produção.
Mas assim que recebeu o diagnóstico da epilepsia, tudo mudou. Nada de ir às compras, passear na rua ou jogar bola sozinho, sem a companhia de ninguém. Até mesmo as atividades físicas, que ele tanto gostava de fazer, deixou de lado. Apesar disso, assume que chegou a se arriscar algumas vezes. “Eu gostava de correr e jogar, e por conta do esforço e do medo de passar mal, deixei de lado. Mas, teimoso, fui jogar bola algumas vezes e tive crises”, revela.
FORA DO NORMAL
Com Iasmim, o lado cognitivo foi o grande divisor de águas. Na escola, ela não conseguia executar direito a tarefa dada pela professora. Logo foi percebido que desenhos e atividades bem simples estavam fora da normalidade, se comparado a uma criança da mesma idade.
“Ela não evoluía cognitivamente, e, com isso, descobrimos que realmente existia uma situação anormal. Daí iniciamos a investigação, passamos por várias especialidades médicas e, por fim, chegamos na neuropediatra, que no primeiro eletroencefalograma detectou inúmeras crises generalizadas”, explica Liz.
“Com isso, tudo começou a fazer sentido: as quedas inesperadas, a dificuldade de aprendizado, a coordenação motora, a falta de evolução comportamental e o estresse”, completa a mãe da menina.
Assim como Marcos, a rotina de Iasmin também mudou radicalmente. Além das inúmeras crises, que aconteciam durante o dia e a noite, a criança vivia ‘dentro de uma bolha’, segundo Liz: “Ela não tinha malicia alguma e precisava de fiscalização em quase tudo. Não sabíamos o que podia acontecer, então todos vivíamos tensos”.
TRATAMENTO
O neurocirurgião diz que o tratamento medicamentoso para os pacientes com epilepsia é muito importante. Normalmente, 70% até 80% das pessoas com a doença terão um bom controle usando apenas os medicamentos.
“Certamente que o especialista também vai analisar e ver qual é a medicação mais adequada para aquele paciente. Na maioria dos casos, porém, esse tratamento vai controlar as crises e permitir que a pessoa tenha uma excelente qualidade de vida no que diz respeito a epilepsia”, afirma Meneses.
De qualquer forma, é fundamental que as pessoas tratem a epilepsia. Caso não o façam de maneira adequada, elas podem ter crises que, eventualmente, causem problemas mais sérios, como traumatismos cranianos e pneumonia aspirativa, dentre outros, colocando a própria vida em risco.
A boa notícia é que, a pessoa tratando com os medicamentos corretos, depois de um certo tempo -em geral uns três anos- as crises podem desaparecer. “Aí o médico avalia a possibilidade de retirar a medicação e esse paciente pode estar curado.”, afirma o neurocirurgião.
CASO DE CIRURGIA?
Após a cirurgia, Marcos voltou à rotina ao lado da família Foto: Arquivo Pessoal
Sim! Em casos considerados mais graves, a cirurgia pode ser a solução mais indicada. Um exemplo é quando o paciente tem uma pequena lesão no cérebro e que pode ser removida por uma microcirurgia. “Em um caso assim, a pessoa pode ficar curada e, inclusive, sem medicação”, explica o médico.
Meneses ainda destaca que existem epilepsias mais simples, outras mais graves e, dependendo dos casos, as cirurgias podem ser mais agressivas ou paliativas. “O interessante é que diversas técnicas mais modernas estão sendo desenvolvidas e podem dar um bom controle, sendo menos invasivas e mais sofisticadas”, afirma.
Tanto Marcos quanto Iasmin passaram pelo processo cirúrgico. No caso dele, depois de vários exames, os especialistas chegaram à conclusão que a opção mais viável seria mesmo a cirurgia. “Conforme o tempo foi passando, vi que as crises foram controladas e que eu já não tinha mais alguns sintomas, o que me fez voltar para a minha rotina normal”, relembra.
No caso da menina, que passou pela cirurgia em janeiro de 2018, muita coisa mudou de lá para cá, tanto na vida dela quanto na da família. “Eu temia não ver nenhum avanço e não desfrutar de melhoras, por menor que fossem. Aconteceu, porém, algo muito melhor. Não temos vivenciado mais tantas crises, ela está amadurecendo cada dia mais, evoluindo no ritmo dela, bem mais calma, controlada e prudente”, elogia a mãe de Iasmin.
PRECONCEITO
Meneses lamenta que, apesar de estarmos em 2021, o preconceito ainda exista quando se trata de epilepsia. Para o médico, a ignorância e falta de conhecimento sobre a doença contribuem para que isso ainda ocorra.
“O mais importante é a informação, é o conhecimento, a divulgação com dados corretos. Por esta razão, foi criado o dia internacional da Epilepsia, o ‘Dia Roxo’, celebrado em 26 de março, para que as informações sejam dadas e ajudem a reduzir a ignorância e o preconceito, mostrando para as pessoas com epilepsia que elas não estão sozinhas”, diz o neurocirurgião.
Liz conta que Iasmin já sofreu e ainda sofre preconceito, principalmente na escola. E não é só por crianças, não! Ela é alvo também de adultos. “Infelizmente, na era da informação que vivemos, as pessoas eram para ser mais bem preparadas e esclarecidas. Essa educação deveria ser de berço, no mundo não deveria ter mais espaço para situações preconceituosas”, conclui a mãe da menina.