Apesar de já estarmos há mais de 18 meses em pandemia, a boa notícia é que a flexibilização de medidas já é uma realidade em todo o país, especialmente pelo fato da vacinação contra a covid-19 já estar adiantada em muitas cidades do Brasil, incluindo nas crianças acima de 12 anos. Por outro lado, é consenso entre os profissionais de saúde que muitas famílias deixaram de lado consultas de rotina e exames que podem avaliar desordens importantes para o bem-estar das crianças. Até mesmo as vacinas que imunizam contra doenças comuns da infância foram deixadas para depois.
Como acontece com tudo que é importante e acaba sendo postergado, existe um risco real de que esse distanciamento entre consultas, até mesmo as de rotina, possa, em algum momento, trazer problemas sérios para a saúde de nossos pequenos. Mas, afinal, quais os riscos desses adiamentos para as famílias? Como colocar a saúde em dia quando o medo de sair de casa – e entrar em um consultório – ainda é maior do que o risco de ter alguma doença para muitos? Na coluna desta semana, vamos descobrir o que fazer nesses momentos, o que não pode ficar para depois e como saber que é a hora de não esperar mais.
CUIDADOS NÃO APENAS NOS PRIMEIROS 1000 DIAS
Muitas mulheres se tornaram mães nesse período da pandemia. Algumas já estavam grávidas antes de março de 2020 e outras acabaram engravidando de lá pra cá. Mas, independentemente de quando tenha se iniciado a gravidez, o período que compreende os 270 dias de gestação mais os 730 dias após a chegada do bebê (dois anos), chamado de 1000 dias de ouro, precisa de acompanhamento com visitas periódicas ao pediatra, pois é fundamental para observar o desenvolvimento da criança.
Muitos bebês nasceram durante a pandemia. (Crédito: Unsplash)
Patricia Orioli, médica pediatra neonatal, explica que, ao longo das consultas de rotina, é possível guiar os responsáveis pela criança para que ofereçam condições favoráveis ao desenvolvimento saudável nos primeiros mil dias, o que será eficaz na prevenção de doenças na vida adulta e na longevidade deste ser humano em desenvolvimento. “O período constitui a fase de maior crescimento (em peso e altura) e desenvolvimento mais intenso dos sistemas neurológico e imunológico de nossa vida. Maus hábitos alimentares nessa fase crítica da formação, por exemplo, impactam na vida adulta, favorecendo o desenvolvimento de doenças crônicas, como obesidade e diabetes”, esclarece. Os pediatras recomendam, inclusive, que devido ao intenso crescimento, as consultas sejam feitas presencialmente. “Como anteriormente exposto, devem ser feitos o acompanhamento com exame físico e documentado todas as medidas antropométricas, bem como checar se a criança está crescendo e se desenvolvendo como é esperado”, ressalta.
E não são apenas os bebês que precisam desse acompanhamento periódico. Embora possa variar um pouco para cada profissional e de acordo com a idade do paciente, os pequenos devem passar por avaliação do pediatra não só quando estão doentes, mas periodicamente. Apenas nas consultas de rotina que o pediatra consegue avaliar se a criança está crescendo adequadamente, se apresenta evolução neurológica e motora compatível com a idade dela. Também são realizadas orientações aos pais sobre:
- alimentação;
- necessidade de suplementação;
- qualidade do sono;
- indicação de vacinas e demais questões que venham a surgir.
“É importante também reservar um período da consulta para dicas e sugestões de como evitar eventuais perigos domésticos que possam surgir no nosso dia a dia e como devemos agir se algum incidente ocorrer”, pontua. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sugere uma frequência de visitas ao pediatra de acordo com a idade. Em situações comuns de desenvolvimento e crescimento, a recomendação é de três consultas no primeiro mês de vida, com 5, 15 e 30 dias de vida; de 2 a 6 meses, uma vez por mês; de 7 meses a 2 anos, a cada 2 meses; de 2 a 6 anos, a cada 3 meses; de 6 a 7 anos, semestralmente; e a partir dos 7 anos em diante podem ir uma vez por ano.
PRÉ-ADOLESCÊNCIA REQUER ATENÇÃO
Não são apenas os pais de crianças que precisam ficar atentos à rotina médica dos filhos. A pré-adolescência, essa fase de tantas mudanças não apenas físicas como emocionais, requer muita atenção. Muitas meninas tiveram a primeira menstruação nesse período de pandemia, mas nem todas foram em busca do primeiro atendimento ginecológico. Desireé Encinas, ginecologista da Clínica Núcleo Cuidar, explica que, embora a visita de adolescentes a um especialista quando entra no período fértil seja pouco falada, é muito importante, principalmente para que a jovem seja orientada sobre o próprio ciclo menstrual e sobre as alterações do seu corpo que virão em consequência dessa maturidade. “Muitas meninas já têm curiosidade em relação ao sexo, e precisam ser bem orientadas para evitar gravidez indesejada ou mesmo doenças sexualmente transmissíveis. Adolescentes bem orientadas têm menos chance de engravidar ou de contrair IST”. E ela vai além: consultas de rotina devem ser agendadas anualmente pelas mulheres adultas também, principalmente para realizar exame físico e tirar dúvidas gerais. “Alguns exames também são necessários conforme a faixa etária de cada paciente e histórico de saúde. Existem algumas doenças que, se descobertas cedo, têm tratamentos mais efetivos. Por isso, exame físico e avaliação da ginecologista é fundamental. O atraso nas consultas pode atrapalhar esse ‘tempo certo’ para tratamento precoce”, pondera.
Com os meninos, é fundamental fazer uma avaliação com o urologista, até para saber se o desenvolvimento está dentro de uma normalidade. “A puberdade nos meninos começa normalmente entre o décimo primeiro e o décimo segundo ano. É nesse momento que eles recebem um estirão hormonal muito intenso e ocorre uma série de mudanças no corpo. E é importante que eles estejam entendendo o que está acontecendo. O ideal é que essa avaliação seja feita anualmente, porque esse é um período em que as mudanças ocorrem de forma muito rápida. Então, se esse indivíduo tiver um desenvolvimento anormal, é nesse período que ele tem uma abertura para a resposta hormonal em que a intervenção médica pode modificar o desenvolvimento desse menino”, avalia Horácio Alvarenga Moreira, urologista e professor do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). O médico explica, ainda, que como existe uma questão emocional nesse período, até porque o estirão hormonal ocorre de forma diferente para cada menino – alguns com 12 anos já têm um desenvolvimento bastante avançado, enquanto outros nem entraram no estirão ainda -, isso às vezes faz com que esses meninos com hipodesenvolvimento ou com um desenvolvimento levemente atrasado fiquem emocionalmente abalados.
“Eles vão no banheiro, veem que o colega tem um pênis um pouco mais desenvolvido, mais próximo do adulto, e o dele ainda não se desenvolveu. Mas, para ele, aquilo pode ser normal. Então, se ele tiver uma orientação médica, não vai sofrer com isso, porque vai entender que essa é uma fase normal do seu desenvolvimento. Uma coisa muito importante na avaliação do indivíduo nesse período é a orientação, porque o desenvolvimento ocorre de forma diferente para cada um”, complementa. E mais: embora os meninos não tenham um marco típico que demonstre o início da adolescência, como acontece com as meninas, há alguns sinais de que eles estão entrando na puberdade, como a mudança na voz (aquele período que eles têm uma transição, uma hora fala grosso, outra hora fala fino), começa a aparecer a pilificação e a genitália começa a se modificar.
DENTES BRANCOS, LIMPOS E COM AVALIAÇÃO EM DIA
Consultas ao dentista devem acontecer duas vezes ao ano. (Crédito: Arquivo Pessoal)
Embora muitas vezes eles sejam os últimos a serem lembrados ao pensar em exames de rotina, a boca de uma criança requer muitos cuidados, até mesmo as que têm apenas dentes de leite. Marina Frois Yamaguchi, diretora da Clínica Sorridi (Indaiatuba, SP), conta que compreende o receio dos pais em ir às consultas odontopediátricas neste momento. No entanto, é preciso entender que períodos muito longos sem ir ao dentista podem gerar problemas sérios. “É extremamente compreensível essa preocupação dos pais. E, exatamente por isso, deve-se buscar o atendimento em clínicas que estejam seguindo rigorosamente os protocolos de atendimentos recomendados pela OMS e CFO. Dessa forma, reduzimos drasticamente a chance de contágio”, comenta. Sobre ficar longos períodos sem visitar o dentista, ela recomenda que os pais levem os filhos duas vezes por ano. “Devemos lidar com a saúde bucal de forma preventiva e recomendamos que as consultas sejam realizadas a cada seis meses. Períodos maiores que esse podem gerar alguns problemas como desenvolvimento de cárie, gengivite, perda precoce dos dentes e a má oclusão”, diz.
Já em relação às crianças que precisam usar aparelhos, ela explica que o ideal é que a primeira avaliação do paciente seja feita aproximadamente aos 6 anos de idade. “O exame precoce de uma criança permite que o ortodontista avalie e detecte algum problema ortodôntico e planeje algum tratamento, se necessário. Caso contrário, ele orientará os pais para retornarem num outro momento para reavaliação ou até mesmo para iniciar o tratamento ortodôntico. Quanto mais cedo for diagnosticado um problema de desenvolvimento das arcadas (maxila e mandíbula) mais fácil se torna o tratamento, posto que o osso está em processo de formação. Conseguimos uma resposta melhor e mais rápida do organismo do paciente, evitando cirurgias ortognaticas no futuro”, avalia.
Para o dia a dia, Marina recomenda que a escovação seja realizada pelo menos três vezes ao dia com creme dental fluoretado, fazer o uso de fio dental diariamente e evitar consumos excessivos de açúcar, mantendo uma alimentação equilibrada. “Os pais também podem manter hábitos simples que fazem muita diferença, como olhar a boquinha dos filhos ao menos uma vez por semana, a fim de identificar se apareceram feridas, manchas, sangramentos ou qualquer outra alteração; fazer o acompanhamento da escovação dos filhos ou mesmo realizá-las, quando as crianças forem muito pequenas; manter a alimentação correta evitando o consumo excessivo de açúcares e alimentos cariogênicos (biscoitos, pães, refrigerantes, balas etc); e, é claro, levar as crianças a cada 6 meses nas consultas com o odontopediatra”, conclui.
CADERNETA DE VACINAÇÃO ATUALIZADA
Atualmente, quando se fala sobre vacina, já associamos diretamente à Covid, mas o calendário vacinal, especialmente o das crianças, tem muitas outras que são igualmente importantes, como a vacina tríplice viral, que previne sarampo, caxumba e rubéola e até mesmo a vacina contra a gripe, entre outras. Portanto, mesmo que os pequenos ainda não estejam liberados para se imunizar contra o coronavírus, as famílias precisam ter em mente que é um risco enorme para a saúde das crianças, deixar a imunização para depois.
Além dos riscos da criança contrair diretamente alguma doença para a qual não foi vacinada, existe o risco de doenças que já estão erradicadas ou controladas voltarem, como é o caso da caxumba e do sarampo – este último, inclusive, teve um enorme aumento de casos ano passado por conta da não vacinação, já que o seu calendário coincidiu com o início da pandemia. “Acredito que as vacinas contra meningite, como são vacinas que são mais reatogênicas muitas famílias deixaram para depois com receio da criança ter reação à vacina”, comenta Gabriele Lustosa, enfermeira da Viva Imune (Niterói, RJ).
Muitos pais e responsáveis também deixaram para depois as doses de imunizações que precisam de mais de uma aplicação. E isso também tem sido um grande risco para os pequenos. “A Sociedade Brasileira de Imunização diz que ‘dose dada, não é dose perdida’. Assim, entendemos que se possui alguma dose e está muito atrasada, pode ser realizada em qualquer momento, respeitando o intervalo entre as próximas doses. Portanto, independentemente do tempo entre uma dose e outra, retoma-se o esquema vacinal a partir do momento que o mesmo foi interrompido. O problema é o tempo em que a criança fica exposta sem concluir o esquema vacinal. Por isso a importância de manter o calendário em dia”, esclarece Gabriele.
SAÚDE MENTAL É FUNDAMENTAL PARA TODAS AS IDADES
Fazer terapia on-line virou uma opção na pandemia. (Crédito: Unsplash)
Falar sobre saúde não inclui apenas a física, mas também a emocional. E nesses tempos pandêmicos, o que não faltou foi gente deixando de lado os cuidados mentais. Se por um lado as consultas médicas e odontológicas normalmente funcionam melhor presencialmente – até por conta de exames clínicos -, por outro os atendimentos com psicólogos e terapeutas, teoricamente, caberia perfeitamente na rotina online que muitos passaram a adotar, tanto para as crianças quanto para os adultos. Então, por que, mesmo assim, tanta gente adiou ou cuidados com a mente?
Para Rosangela Sampaio, psicóloga e apresentadora do programa Mulheres Em Flow, uma das explicações é que, embora não exista o contato físico direto dentro de um atendimento psicológico, o acolhimento, seja com o olhar ou até por estar perto de alguém, também impacta no tratamento. A adaptação, tanto para o profissional, quanto para o paciente, não foi tão fácil quanto se imagina, porque aquele momento no consultório era um tempo que a pessoa tinha para ela e alguns profissionais tiveram que aprender uma nova maneira de clinicar. “Alguns pacientes, inclusive, deixaram a terapia de lado, não se adaptando ao novo estilo cibernético, até porque com a família toda em casa, muitos não tinham privacidade para ficar uma hora na consulta psicológica. Então, vamos imaginar esse novelo na cabeça das pessoas: uma fase de pandemia cheia de incertezas, a perda da privacidade da terapia, o medo de pegar a doença, o fato de não poder ir ao consultório do psicólogo presencialmente, que já fazia parte da rotina do tratamento etc. É muita coisa. Já as crianças, mesmo algumas lidando melhor com tecnologias que adultos, muitas vezes não conseguiam manter a atenção que tinham no consultório e acabavam dispersando. Então, alguns pais preferiram deixar para voltar a terapia após a pandemia”, esclarece.
Mas quais os danos pra saúde mental ao demorar pra buscar ajuda? “Longe dos cuidados de um profissional, podemos ficar vulneráveis a declinar em nossas questões emocionais e psicológicas. Não podemos demorar a buscar ajuda psicológica ou deixar para buscar apenas quando há questões graves acontecendo. O tratamento é um aliado a evitar maiores danos emocionais e psicológicos, como prevenção a outras doenças, como depressão, ansiedade e diversos transtornos”, diz a psicóloga Deise Moraes Saluti.
Rosangela vai além e explica que, como qualquer enfermidade, a saúde mental não espera. “A psicoterapia é um trabalho gradual e interrompê-lo é praticamente abandonar todas as grandes conquistas que estavam por vir. E principalmente falando em um período de pandemia, onde os transtornos afloraram de maneira exponencial em adultos e crianças, ainda estamos no mês de setembro, o de prevenção do suicídio, onde há muitos relatos de casos de pessoas de variadas idades tirando a própria vida por conta de terem deixado o tratamento da parte emocional para trás. É preciso lembrar que saúde física e mental caminham juntas: corpo são, mente sã. E, mais do que nunca, não podemos adiar nenhum tratamento. O autoconhecimento e o autocuidado abrem caminhos que a pessoa, muitas vezes, nem imagina. E, infelizmente, não temos uma disciplina no colégio que nos ensine isso quando criança, apenas na terapia. Então, o dano para a saúde mental é que uma “pequena tristeza pontual”, onde não se dá muita importância, possa virar um transtorno maior, como uma depressão ou um suicídio, dependendo de cada caso, sem generalizar”, complementa.
Já nas crianças que apresentavam algum diagnóstico psiquiátrico antes da pandemia, foram notados sintomas mais exacerbados. “Nas famílias que demoraram para pedir ajuda nas questões da saúde mental, são mais frequentes os quadros de ansiedade, depressão infantil e rejeição entre o meio. Por isso, é de suma importância que os pais observem suas crianças e não demorem para procurarem ajuda, para que as crianças sejam cuidadas de formas adequadas, sem serem prejudicadas em nenhum contexto infantil”, define Rafaella Pascarelli, Terapeuta Ocupacional da Clínica Arte Psico.
ATIVIDADE FÍSICA CONTRA O SEDENTARISMO
Que o sedentarismo é um dos grandes problemas do século todo mundo já sabe, mas quais os riscos em manter as crianças sem praticar exercícios por tanto tempo? “O sedentarismo é ruim em todas as fases da vida e ele é um dos grandes responsáveis pela predisposição a doenças cardiovasculares. Mas no caso das crianças, em específico, posso destacar que a ausência de atividade física atrapalhará no desenvolvimento motor”, diz Bernardo Sampaio, fisioterapeuta e diretor clínico do ITC Vertebral e do Instituto Trata, unidades de Guarulhos .
A falta de movimento não é responsável ‘apenas’ pelo ganho de peso e aparecimento de problemas cardíacos e de desenvolvimento motor, diabetes, entre outros males. Durante esses quase dois anos, médicos ortopedistas de hospitais relataram que a procura de famílias por causa de fraturas domésticas ou na primeira saída pós isolamento aumentou muito. E entre os fatores relacionados pode estar a atrofia por falta de atividade física.
Mas a boa notícia é que, mesmo para pais e filhos que ainda queiram ficar distantes de atividades coletivas, é possível, sim, manter o corpo em movimento. “Podemos destacar dois pontos importantes para o corpo: atividades aeróbicas e atividades com exercícios resistidos. Para as atividades aeróbicas que estimulam a parte cardiovascular e são imprescindíveis, minha dica é manter as atividades ao ar livre. Pedalar, correr e caminhar são atividades simples que podem ser incorporadas facilmente no dia a dia. Além destas, aconselho incluir atividades na água também, que são ótimas para todas as idades. Já para os exercícios resistidos, adquirir apenas uma faixa elástica já nos dá uma possibilidade incrível de exercícios para a manutenção da força e resistência muscular. Além disso, atividades que utilizam o peso corporal são muito bem vindos e podem ser realizados em casa”, finaliza Sampaio.
*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram: @aventurasmaternas